A 18ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) começa hoje (3), pela primeira vez em formato virtual. Em entrevista, o diretor artístico do evento, Mauro Munhoz, disse que a principal peculiaridade desta edição é considerar o digital como um espaço de arte. “Nós temos uma Flip com todo o cuidado videográfico de qualidade de cinema”.
Com esse objetivo, o diretor de cinema Marcelo Machado vai coordenar toda a videografia dessa experiência. “Para entender que o nosso objeto é a literatura, é a arte e o espaço público, a presença do espírito da Flip e de Paraty”, disse Munhoz.
Para isso, algumas mesas e cenas foram gravadas em Paraty, cidade histórica localizada na Costa Verde do estado do Rio de Janeiro e que sedia a Flip desde 1993. Segundo Munhoz, a intenção é que o público, que participará até o próximo domingo (6) das atrações da Flip de forma inteiramente gratuita, possa ter uma experiência tão rica como se estivesse em Paraty.
Tradições
A cultura e as tradições de Paraty também serão mostradas durante o evento. O diretor artístico da Flip explicou que desde 1993, e a própria Flip sempre foi essa expressão”. Mauro Munhoz lembrou que nos anos de 1960 e 1970, o pessoal do teatro, cinema novo, artes plásticas e literatura passou por Paraty de maneira intensa. Foi o caso dos atores Paulo Autran e Maria Della Costa, que tiveram casas na cidade, e da artista plástica Djanira, por exemplo. “Isso gerou uma cultura local muito singular. A Flip viu essa potência e o próprio desenho da feira se relaciona com isso. E agora, que a gente tem que fazer a Flip no virtual, não podia ser diferente”.
Artistas, artesãos, poetas e autores locais ou que vivem na cidade vão contar um pouco de sua própria história e de sua relação com a Flip, além de lerem trechos das obras dos escritores convidados. Entre eles, estão o educador do Instituto Náutico de Paraty, Gibrail Rameck Júnior; a cacique da aldeia Itaxim Guarani M’Biá, Eva Jerá-Mirim; o fundador do Teatro Espaço, tradicional teatro de bonecos de Paraty, Marcos Caetano Ribas; Claudia Ribeiro, educadora e integrante do grupo As Yagbás; Dalcir Ramiro, ceramista; Daniele Elias dos Santos, liderança do Quilombo do Campinho, entre outros. “Todas essas pessoas vão estar muito presentes nesta edição da Flip virtual”, assegurou Munhoz.
Convidados
Segundo Mauro Munhoz, coisas interessantes vão ocorrer, envolvendo convidados nacionais e estrangeiros. Na mesa do escritor nigeriano Chigozie Obioma com o brasileiro Itamar Vieira Júnior, que acabou de ganhar o Prêmio Jabuti, o público poderá conferir os pontos de conexão da ancestralidade cultural que acontecem na Nigéria e no Brasil. ”Vai ser uma coisa riquíssima!”, disse.
Também na abertura da Flip, que reunirá a escritora inglesa Bernardine Evaristo com a escritora brasileira Stephanie Borges, a mesa Diásporas chama a atenção. Bernardine falará sobre seu livro Garota, mulher, outras, que venceu a última edição do Booker Prize, tornando-se a primeira autora negra a receber a premiação. O livro retrata 12 personagens mulheres que, juntas, compõem um retrato histórico que passa das colônias britânicas do Caribe à África, e também um retrato contemporâneo da população negra na Grã-Bretanha.
O sobrenome Evaristo, da autora internacional, lembra o da escritora brasileira Conceição Evaristo. “Um sobrenome de origem brasileira deu a volta pela África, passou pela Inglaterra e hoje vem à Flip. São coisas muito interessantes neste momento onde nós estamos redefinindo nossas identidades, a questão da diversidade. Vai ser uma experiência muito rica”, observou o diretor.
Curadoria
Mauro Munhoz negou que a Flip 2020 não tenha curadoria. Fernanda Diamante foi curadora do evento até agosto deste ano, quando pediu para se desligar por motivos pessoais. Até antes da pandemia do novo coronavírus, a organização do evento já tinha enviado muitos convites para autores nacionais e estrangeiros. “Foram convites enviados pela Flip, sob a curadoria da Fernanda Diamante”. Após a saída dela, a Flip entrou em contato com os escritores e todos disseram estar muito animados para participar da Flip virtual, afirmou Munhoz. “A programação é, em grande parte, curadoria da Fernanda Diamante”.
Campanha
Munhoz destacou que a Flip é também o momento de definir como os projetos culturais têm de ser estruturados a partir de agora. Foi lançada uma ação institucional para sensibilizar o público em geral para apoiar a cultura. Dentro do movimento mais geral de doação do Brasil, foi criada a campanha “Abrace a Cultura, apoie a Flip”.
No site www.flip.org.br, há uma série de informações sobre a campanha. Munhoz disse que está impressionado com a adesão ao evento. “São doações de pequenos valores, mas que estão colaborando com a feira. Eu gostaria de convocar mais pessoas a poder fazer com que projetos como a Flip continuem a existir neste mundo tão diferente e tão desafiador que está se apresentando pra gente”.
Programação
A programação será totalmente livre e gratuita e pode ser acompanhada no site www.flip.org.br, no YouTube/flipfestaliteraria e nas redes sociais. A festa é composta por mesas transmitidas ao vivo e vídeos gravados antecipadamente, com convidados internacionais e autores nacionais, além de artistas e escritores de Paraty.
Além da mesa de abertura Diásporas, às 18h desta quinta-feira (3), envolvendo Bernardine Evaristo e Stephanie Borges, está programada, às 20h30, a mesa Zé Kleber: Ciranda, com os músicos cirandeiros paratyenses Fernando e Marcello Alcantara, que se dedicam a resgatar e colocar em evidência a cultura caiçara em suas mais diferentes formas.
Nesta sexta-feira (4), às 16h, o público poderá conferir a mesa Florestas, com o escritor morte-americano Jonathan Safran Foer e a escritora brasileira Márcia Kambeba, que discutirão os impactos da ação humana sobre o clima e a importância da natureza para a educação indígena, sob mediação da jornalista Jennifer Ann Thomas, especializada em meio ambiente.
Às 18h, na mesa Elieen para presidente!, a autora Eileen Myles, de Chelsea Girls, se encontra com suas tradutoras brasileiras Bruna Beber e Mariana Ruggieri e fala sobre a trajetória como poeta, performer, romancista e jornalista. Às 20h30, será realizada a mesa Animais abatidos, com as escritoras Pilar Quintana e Ana Paula Maia. As duas romancistas sul-americanas, uma colombiana e outra brasileira, falam sobre seus personagens que vivem em contextos ordinários, mas que acabam se defrontando com aspectos absurdos da vida.
Caetano Veloso
No sábado (5), a mesa das 16h abordará o autoritarismo, com a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, que vai refletir sobre as raízes do autoritarismo brasileiro. Segue-se, às 18h, a mesa Ancestralidades, com o nigeriano Chigozie Obioma e o brasileiro Itamar Vieira Júnior. Os dois romancistas debatem a vida rural de personagens que vivem às voltas com religiões de matriz africana.
Encerrando o dia, às 20h30, está programada a mesa Transições, com o músico e compositor brasileiro Caetano Veloso e o filósofo espanhol Paul B. Preciado. O tema central é a liberdade.
No domingo (6), último dia da Flip, a mesa Zé Kleber: Sarau, às 14h, traz Elisa Pereira, idealizadora do Fuzuê Literário - Sarau de Paraty, em conversa com Rodrigo Ciríaco, escritor e educador de São Paulo que a inspirou a começar o movimento na cidade. Eles conversam sobre como os saraus artísticos se multiplicaram pelas periferias da cidade de São Paulo e ganharam a cena cultural do país.
Às 16h, ocorrerá a mesa Batidas, da qual participarão a escritora Regina Porter, dos Estados Unidos, e o brasileiro Jeferson Tenório. Eles abordarão questões que aproximam seus trabalhos recentes. No pano de fundo dos dois romances estão vida familiar, paternidade, racismo e desigualdade. Às 18h, será a vez da mesa Vocigrafias insurgentes. Nela, os artistas Jota Mombaça e Danez Smith, do Brasil e dos Estados Unidos, tratam mais da história comum que compartilham do que das fronteiras que os separam.
Às 20h30, a mesa que encerrará as apresentações da Flip 2020 será Zé Kleber: Slam. Nela, será registrado o encontro entre Nathalia Leal, uma das idealizadoras do Slam de Quinta, que acontece toda quinta-feira na rodoviária de Paraty, e Luz Ribeiro, primeira mulher a vencer o Slam BR – campeonato brasileiro de Slam. Slam, ou ou Poetry Slams, pode ser definido como batalha de poesia falada.