O tenor brasileiro Thiago Arancam estava com um plano bem definido para os próximos dois anos com a turnê Bela Primavera, em que interpretará clássicos da música internacional que fazem parte de sua memória afetiva. Aos 36 anos, dono de uma voz arrebatadora, que empolgou artistas rigorosos como Plácido Domingo e o regente Lorin Maazel, Arancam traçava seu caminho entre a ópera e canções populares quando um fato inesperado rasgou sua agenda, abrindo espaço para algo surpreendente e, ao mesmo tempo, desafiador: protagonizar O Fantasma da Ópera, um dos mais queridos e bem sucedidos musicais de todos os tempos, que ganha nova temporada no Brasil a partir do dia 1º de agosto, no Teatro Renault.
Foi tudo muito rápido. "No final do ano passado, fui apresentado ao diretor e à produtora da montagem brasileira, que adoraram quando cantei algumas canções do meu repertório e me convidaram para ir a Nova York, onde participei de uma 'work session' já com músicas do Fantasma. O material foi gravado e enviado ao Andrew Lloyd Webber, que me aprovou para o papel", conta Arancam, referindo-se ao lendário compositor inglês, autor de outros sucessos como Jesus Cristo Superstar e Cats.
Tamanho cuidado não é exagero. Há 30 anos em cartaz na Broadway, Fantasma coleciona números grandiosos - já foi visto por mais de 140 milhões de pessoas em 35 países, 160 cidades e traduzido para 15 idiomas ao redor do mundo. No Brasil, teve uma temporada de dois anos iniciada em 2005, atraindo cerca de 880 mil espectadores. Um fenômeno cultural.
Por isso, todos os recursos técnicos e cênicos de Thiago Arancam são colocados à prova, e o mesmo acontece com o restante do elenco, formado basicamente por oriundos da ópera, como os barítonos Leonardo Neiva, que será o Fantasma alternante, e Sandro Christopher (como Monsieur Firmin) e a soprano Lina Mendes (no papel de Christine). Da tradição do musical, estarão Giula Nadruz, como alternante de Christine, e Fred Silveira, como Raoul.
O musical conta a história de um desfigurado e atormentado gênio da música que assombra as dependências da Ópera de Paris, até se apaixonar pela corista Christine e decidir transformá-la em uma das maiores estrelas da ópera. Os problemas surgem quando ele encontra o namorado de infância de Christine, Raoul, por quem ela está apaixonada.
"Venho da ópera, na qual o personagem já está delineado, mas, no musical, é preciso construir esse perfil", conta Arancam, que iniciou os ensaios na semana passada, junto do numeroso elenco de 38 artistas selecionados pela empresa produtora, a Time for Fun. "E o Fantasma é um grande desafio, pois ele é mais romântico nas cenas com Christine e mais viril, diante de Raoul. Daí a necessidade do uso dos meus recursos vocais para compor a interpretação."
O tenor brasileiro foi aconselhado pelo diretor residente Arthur Masella, americano que acompanha produções pelo mundo para acompanhar a fidelidade à montagem original, a não assistir a nenhuma interpretação do Fantasma. "Crie o seu personagem", disse-lhe. Assim, na viagem que fez a Nova York, onde se encontrou com o diretor original, Harold Prince (veja texto abaixo), Arancam só conversou com o atual Fantasma da Broadway, Fred Crawford, no camarim. "Ele me disse para ficar atento com a máscara, nas rápidas trocas de figurino."
A máscara, que esconde a face deformada do Fantasma, é objeto essencial. Cada protagonista tem um modelo forjado aos seus traços e, enquanto o seu não fica pronto, Arancam ensaia com uma substituta para se acostumar. "É um importante elemento cênico", observa. "Arthur me disse que, quando olho para baixo, a máscara ajuda a construir uma expressão, que é diferente de quando olho para cima."
Preciosa também é a dica de Saulo Vasconcelos, que foi o Fantasma em 2005: "Aprenda a ser paciente com a maquiagem, que é demorada e passa a nos deixar impaciente com o correr da temporada".
Tais detalhes não escapam a Arancam, que iniciou a carreira despretensiosamente, aos 6 anos, quando venceu um concurso escolar. Em seguida, ingressou em um coral infantil, no qual descobriu o fascinante universo da música clássica. Foi o início de uma carreira meteórica, que inclui participação na Academia de Canto Lírico do Teatro Alla Scala, em Milão. Viveu com vigor personagens de óperas famosas, como Radamés (Aida), Pinkerton (Madama Butterfly) e Alfredo (La Traviata). "Fiz também Cristiano, em Cyrano, ópera que, como no Fantasma, traz um homem sensível, mas incomodado com seu defeito", completa ele, que ainda encontra brechas para continuar com a turnê de Bela Primavera - a estreia acontece no dia 1º de setembro, em Belo Horizonte.
O FANTASMA DA ÓPERA
Teatro Renault
Av. Brigadeiro Luis Antônio, 411. 4ª à 6ª, 21h. Sáb., 16h e 21h. Dom., 15h e 20h. R$ 75 / R$ 300.
Até 16/12.
Estreia 1/8
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.