Artes marciais

'Demorei dois anos para retomar o foco depois da medalha', diz Rafaela Silva

09 ago 2019 às 11:35

Campeã olímpica na categoria leve (até 57 kg) nos Jogos do Rio-2016, a judoca Rafaela Silva estreia nesta sexta-feira nos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru, como favorita e em seu melhor momento desde o ouro na Olimpíada. Mas os anos anteriores à medalha foram difíceis.

Logo depois da maior conquista de sua carreira, a atleta se tornou uma atleta reconhecida no País todo. Ela ajudou a garantir visibilidade às pessoas da comunidade na Cidade de Deus, onde nasceu no Rio de Janeiro, às mulheres, aos negros e aos homossexuais. O reconhecimento pelos seus resultados, que chegou na forma de compromissos comerciais, acabou tirando o foco dos treinos.

"Eram muitos eventos e palestras. Não conseguia treinar a semana toda", afirmou a judoca em entrevista exclusiva ao Estado antes da viagem ao Peru no espaço de inovação do Bradesco, patrocinador da equipe brasileira de judô. "Consegui retomar o foco e estou no meu melhor momento desde os Jogos do Rio", afirma.

Depois do Pan, ela vai para o Mundial de Judô, que começa no dia 25 de agosto. Para chegar aos Jogos de Tóquio-2020 e defender o título olímpico, Rafaela Silva precisa liderar o ranking do País e estar entre as 18 melhores do mundo. Rafaela está em 5º lugar e deve conseguir a vaga com facilidade.

Como foi o período logo após a conquista da medalha de ouro nos Jogos do Rio?

Em 2017 e 2018, eu não consegui bons resultados. Eram muitos eventos e palestras e não conseguia treinar a semana toda, por exemplo. Chegava cansada e não conseguia treinar. Eu não estava no meu melhor momento, não estava treinando. Não acontece milagre o tempo inteiro. Acho que foi o momento que a confederação (CBJ) me chamou para conversar, porque eles viam que eu precisava voltar para o meu caminho, ali para o treino, para as competições. Focar mais no meu sonho olímpico.

Como você está hoje?

Hoje, estou mais focada e cheguei a seis finais neste ano. É o meu melhor momento desde o ouro. Consegui voltar minha rotina de treinos, estou conseguindo meus resultados e subi bem no ranking e consegui ficar entre as dez primeiras no ranking na minha categoria (hoje, ela é a quinta colocada). Meu objetivo é manter o ritmo para chegar bem nas próximas competições, Jogos Pan-Americanos, Campeonato Mundial e chegar bem às próximas Olimpíadas. Quero representar bem o Brasil.

Por que você diz que é o seu melhor momento?

Estou bem, sem lesão. Consegui manter os treinos, o foco nas competições, a regularidade e cheguei a seis finais. Ganhei duas competições, ganhei de adversárias que ainda não havia ganhado no circuito. Isso me motiva cada vez mais. Quero buscar o Mundial e a Olimpíada.

Por que você decidiu disputar o Pan, um torneio que não conta pontos para o ranking?

Eu gosto de estar sempre competindo. As pessoas falam que, se tiver uma Copa das Bolinhas, eu estarei competindo. Sou assim competitiva, quero estar sempre lutando. É o que me ajuda e me motiva, quero sempre melhorar para a próxima competição.

Você não terá seus principais adversários no Pan...

Não faz diferença. Às vezes, nós enfrentamos rivais que nunca vimos e que trazem grandes dificuldades. Estou sempre me preparando para o pior. Tenho de estar preparada para a surpresa e definir uma estratégia para cada luta. Independentemente de quem esteja lá, o objetivo é o mesmo: fazer uma boa campanha em função do bom resultado.

Você já pensa na Olimpíada de Tóquio?

Com certeza, eu penso na Olimpíada. A gente pensa como vai ser por causa da diferença da cultura deles. O Campeonato Mundial vai ser um evento-teste (começa no dia 25 de agosto). Quando você chegar na Olimpíada como atual campeã olímpica, as pessoas esperam um pouco mais. É a primeira vez que vou entrar como campeã em uma Olimpíada.

Como você se sente depois de se tornar fonte de inspiração para mulheres, negros e pessoas que cresceram com você?

É importante para as crianças da comunidade ver um atleta que deu certo. A gente fica se menosprezando, achando que só temos aquele mundo, a gente não sai da comunidade porque a família não tem dinheiro ou não tem estrutura. Quando eu comecei no judô, eu nunca pensei que fosse conhecer São Paulo e sair da minha cidade. A minha família não tinha dinheiro nem condições. Hoje, eu tenho passaporte para representar o judô brasileiro, sou terceiro-sargento da Marinha, tenho meus patrocínios para ajudar minha família. É importante mostrar que nosso passado não define nossa vida. Não importa se a gente veio do berço de ouro. Depende da nossa força de vontade, do nosso sonho e do que a gente tem dentro da gente.

Você pensa sobre sua trajetória, onde esteve e onde está agora?

Sim, sempre. Quando eu era mais nova, eu queria um tênis, mas meu pai não tinha dinheiro para comprar. A gente precisava ficar juntando dinheiro por dois ou três meses para fazer minha vontade. Hoje, eu tenho um patrocinador que pode me fornecer o tênis que eu quiser. Não falo só do lado comercial, de consumo. Poder ver essa evolução, não só como atleta, mas como ser humano e pessoa. O esporte é isso. Ele ajuda a ser não só um atleta, mas também um cidadão.