Esportes

Especial 50 anos do tri: o encontro entre Zagallo e Didi

14 jun 2020 às 10:10

Em 2018, o ex-técnico da Seleção Brasileira, Mário Jorge Lobo Zagallo, concedeu uma entrevista para a CBF TV em que recordou a conquista do tricampeonato em 1970. Hoje, Zagallo está com 88 anos e com a saúde bastante debilitada. Mas há dois anos, mostrou lucidez ao relembrar o desafio de dirigir o time canarinho. Afinal de contas, Zagallo assumiu a Seleção pouco antes da estreia do Mundial no lugar de João Saldanha. “A Seleção foi a minha vida. O Brasil foi campeão pela primeira vez em 58 e eu estava lá. Veio 62, a mesma coisa, eu jogando como ponta esquerda pela Seleção. Foram duas Copas como jogador. Se passaram alguns anos e eu galguei a posição de técnico. Comecei do Botafogo como técnico do juvenil e fui campeão. E as coisas foram se renovando. Até que aconteceu a minha chamada para a Seleção Brasileira de 70 quando só faltavam dois meses para o Mundial. E eu disse comigo mesmo: ‘é agora ou nunca!’ Abracei com toda a vontade a oportunidade de disputar novamente uma Copa do Mundo como treinador. Uma decisão como essa precisava peito. E eu tenho peito”, relatou Zagallo.

Durante a campanha do Mundial de 70, o Velho Lobo cruzou o caminho de um ex-companheiro de Seleção Brasileira: Didi, que comandou o time do Peru naquele ano. Didi, que faleceu em 12 de maio de 2001, disputou três mundiais com o time canarinho (1954, 1958 e 1962). Portanto, atuou ao lado de Zagallo nas duas primeiras conquistas. Mas antes de relatar como foi o reencontro entre Zagallo e Didi há 50 anos, vamos recordar como o Velho Lobo chegou ao cargo de treinador do timaço de 70.

João Saldanha

Antes do Mundial de 70, a Seleção Brasileira teve uma situação pouco comum para os dias atuais. Ela foi dirigida por um jornalista, o gaúcho João Saldanha, também chamado de ‘João Sem Medo’. O jornalista teve uma pequena experiência como técnico do Botafogo nos anos 50. Saldanha sempre foi um crítico ferrenho do trabalho da Seleção em seus artigos no jornal O Globo. Por isso, a CBD (Confederação Brasileira de Desportos), atual CBF, ofereceu o cargo ao jornalista que, para surpresa da entidade, aceitou o cargo. No ano anterior ao Mundial, Saldanha fez 13 jogos e teve 100% de aproveitamento. O Brasil conseguiu a vaga para o México com sobras. O elenco brasileiro passou a ser chamado ‘feras de Saldanha’.

As convicções políticas tiraram o jornalista do comando da Seleção às vésperas do Mundial. Saldanha tinha uma simpatia pelo Partido Comunista e antipatia pelo regime militar que governava o Brasil desde 1964. Nesse contexto, ele chegou a desafiar o presidente Emílio Médici, general linha-dura que substituiu o presidente Costa e Silva, vítima de um derrame. Médici gostava de futebol e tinha um apreço por Dario, o Dadá Maravilha, atacante do Atlético-MG. Para agradar o presidente, a cúpula da CBD pedia a convocação de Dario. E teve a seguinte resposta de Saldanha: “Quem escala a seleção sou eu. O presidente escala o ministério”.

Além de contrariar o presidente, João Saldanha acumulou arroubos de violência e a CBD optou por fazer a troca no comando da Seleção no dia 17 de março de 1970, dois meses e meio antes da estreia na Copa. No dia 22 de março, Zagallo foi anunciado como treinador do time que iria para o México, aos 38 anos.

O ex-ponta-esquerda não tinha uma longa experiência como técnico: apenas três anos. Mas fez parte do histórico vencedor da Seleção ao conquistar dois Mundiais. Zagallo marcou um gol na decisão de 58 contra a Suécia (vitória por 5 a 2) e marcou o primeiro gol do Brasil na campanha de 62 (vitória por 2 a 0 sobre o México).

A campanha

A desconfiança sobre o trabalho de Zagallo deu lugar à euforia depois da estreia. O Brasil passou fácil pela Tchecoslováquia no dia 03 de junho de 1970: vitória por 4 a 1. Na segunda rodada, a Seleção Brasileira teve aquele que foi considerado o jogo mais complicado do Mundial: um duelo contra a então atual campeão Inglaterra, no dia 07 de junho. Foi nessa partida que ocorreu a ‘defesa do século’ protagonizada por Gordon Banks, após a cabeçada de Pelé, como recordamos no posto anterior. Mas o Brasil venceu por 1 a 0, gol de Jairzinho. E fechou a primeira fase com 100% de aproveitamento após derrotar a Romênia por 3 a 2, no dia 10 de junho.

A terceira vitória na Copa do Mundo deu à Seleção Brasileira o primeiro lugar no Grupo 3. Com isso, o time fugiu do confronto com a Alemanha já nas quartas de final. O adversário na luta por uma vaga na semifinal seria o Peru, comandado pelo técnico Didi, companheiro de Zagallo na própria seleção e também no Botafogo.

O Peru

O retrospecto do Peru em Copas do Mundo era bem diferente do brasileiro. O time sul-americano disputava apenas o segundo mundial da história. Antes disso, a seleção peruana só havia participado da primeira edição em 1930. E foi o brasileiro Didi que recolocou o Peru na Copa após 40 anos. Nas Eliminatórias, o time dirigido por Didi ajudou a deixar a Argentina de fora da Copa.

No México, o Peru fez parte do Grupo 4, que era encabeçado pela então vice-campeã Alemanha. No dia 02 de junho de 1970, Didi conduziu o time vermelho e branco à sua primeira vitória na história dos Mundiais: 3 a 2 sobre a Bulgária. Até então, o Peru havia feito apenas dois jogos na Copa de 30 e sofrido duas derrotas. Detalhe: o resultado foi de virada. A Bulgária abriu 2 a 0 no placar e os comandados de Didi reverteram a situação.

Três dias depois, o Peru passou com tranquilidade pelo Marrocos e garantiu a classificação antecipada para as quartas de final.

O duelo contra a Alemanha, no dia 10 de junho, definiria a posição no grupo e o caminho na Copa. O Peru não conseguiu segurar a potência germânica e foi derrotado por 3 a 1. Sendo assim, ficou com a segunda posição na chave para enfrentar o primeiro do Grupo 3, o Brasil de Zagallo.

Zagallo e Carlos Alberto Torres com a taça do tri

Brasil x Peru

No jogo que foi realizado no dia 14 de junho, deu a lógica. Vitória brasileira por 4 a 2, no Estádio Jalisco. A Seleção de Zagallo abriu 2 a 0 no marcador com gols de Rivellino e Tostão. O Peru descontou com Gallardo ainda no primeiro tempo. Na etapa final, Tostão marcou o segundo dele no jogo. Cubillas, referência técnica do time de Didi, manteve o Peru vivo na disputa com os brasileiros. Mas Jairzinho sacramentou o resultado e a classificação brasileira para as semifinais para enfrentar o Uruguai. Já o Peru se despediu do Mundial do México.

Polêmica

O Peru participou de apenas de cinco Mundiais em toda a história. Além de 30 e 70, o time vermelho e branco disputou as Copas de 1978, na Argentina, de 1982, na Espanha, e se classificou para o último Mundial, em 2018 na Rússia. A melhor campanha dos peruanos foi registrada justamente em 70, um sétimo lugar. O segundo encontro com o Brasil nos Mundiais teve vitória verde e amarela por 3 a 0, na Copa de 78. Aquele mundial teve um formato diferente e a segunda fase foi dividida em grupos de quatro seleções. O Brasil venceu o Peru, empatou com a anfitriã Argentina em 0 a 0 e depois venceu a Polônia por 3 a 1, na última rodada. A Argentina tinha saldo de gols inferior ao Brasil, já que tinha vencido a Polônia por 2 a 0 na primeira rodada. O detalhe é que o jogo da Seleção Brasileira contra os poloneses ocorreu primeiro. Portanto, a Argentina entrou em campo sabendo que precisaria de uma vitória por um bom saldo de gols para garantir a vaga na final. E venceu por 6 a 0. O Brasil acusou o Peru de ter facilitado as coisas para os donos da casa, que terminaram o Mundial como campeões.