Maior nadador brasileiro da história, Cesar Cielo vive um momento diferente na carreira. Se antes o atleta do Clube Pinheiros se preocupava apenas com as competições, agora ele pensa no legado que vai deixar na modalidade e como pode ajudar a inspirar a nova geração. Aos 30 anos, sabe que está perto da aposentadoria, mas garante: "Se em 2019 eu perceber que estou bem, que as coisas estão fluindo, vou tentar 2020. O revezamento é uma prova que a gente vislumbra medalha no Mundial e até na Olimpíada", disse.
O que significou para você a medalha conquistada no Mundial em Budapeste recentemente?
Não vou dizer que foi inesperada porque, de certa forma, nós tínhamos uma expectativa em relação a ela. Mas olhando o cenário que eu vinha, foi uma surpresa. A medalha de revezamento era a única que não tinha na carreira, faltava esse resultado no currículo. Pessoalmente, o que significou foi primeiramente na confiança, pois voltei melhor para o meio competitivo. Também foi um orgulho pessoal, pois via o revezamento do Brasil tropeçando por muitos anos. Em 2009 ficamos em quarto em Roma, em 2011 fomos desclassificados, em 2013 nem nadamos, em 2015 ficamos perto, mas a Itália nos superou. Convivi com essa sequência de resultados, então ter participado deste momento e ajudado de alguma forma foi importante.
O que faz você acordar cedo e ir treinar todo dia?
Eu gosto da rotina, gosto de ter compromisso com a natação, isso já faz parte de mim. Enquanto sentir que estou ajudando, estarei aqui na piscina. Hoje tenho um lado de ajudar mais o grupo do que ter um objetivo pessoal. Quero olhar para trás e não me arrepender de não ter feito isso que estou fazendo agora, por mais que seja difícil acordar às 6 horas da manhã no frio e ir para a piscina. A natação é muito importante na minha vida. Estou vislumbrando uma aposentadoria mais para frente com coisas que quero deixar como legado.
Por falar nisso, você já sabe quando pretende se aposentar?
Vou ver isso a cada temporada. Pode ser que seja final do ano que vem, mas não estipulei um prazo. Enquanto sentir que estou ajudando, como foi na seleção este ano em Budapeste, vou continuar. Sempre fui um cara muito competitivo, em todos os aspectos, agora não quero ser um peso. Meu objetivo é carreira, legado, e fazer a transição para quando eu parar de nadar.
Foi muito duro ficar fora dos Jogos Olímpicos no Rio?
Sinceramente, não. O duro é nadar mal. A decepção que tive foi comigo mesmo, de não ter tido uma performance boa quando eu precisava. A primeira derrota sempre é a interna e essa é a mais dura. O Rio já passou, faz um ano, estamos vendo os escândalos que estão acontecendo, o difícil é o espelho, quando você olha para ele e vê que deixou passar uma oportunidade. Nem precisava fazer meu melhor para classificar, era só fazer uma prova decente. Nem isso consegui. Isso que me machuca e aconteceu em um momento muito pobre da minha carreira.
Como vê os problemas na natação brasileira?
Existem algumas ordens cronológicas das coisas. Temos de esperar a Justiça, a Fina em relação a algumas decisões da eleição que passou. Ideias a gente tem bastante do que pode ser feito, desde um calendário melhor desenvolvido e pensado para os clubes. Em uma competição de cinco ou seis dias, o clube tem de pagar para toda equipe alimentação, transporte e hotel para todos esses dias. Então não dá para ter três dessas no ano. Muitos clubes quebraram, o interior paulista tem poucas equipes, então precisamos respeitar a parte financeira. O País está em crise, então precisamos ser mais inteligentes para ter mais competições. Precisamos trabalhar a base de forma diferente.
O esporte olímpico também passa por dificuldades, teve recentemente a prisão do Carlos Arthur Nuzman. Como você viu tudo isso?
Com relação ao COB, é bem diferente do que a gente vive na CBDA. Nossa relação como atleta é mais pontual, como em ano de Sul-Americano, Pan-Americano ou Olimpíada. Para mim, como brasileiro, não foi surpresa as notícias que saíram. A gente nunca teve acesso a nada do que está sendo mostrado. Desde 2009, quando o Brasil ganhou a candidatura olímpica, a gente brincava que seria uma festa da roubalheira até 2016. A brincadeira realmente se concretizou e estamos pagando o preço hoje. Agora tem um movimento para tentar mudar o estatuto do COB em relação às eleições. Efetivamente dizendo, estamos nas mãos dos governantes, da Justiça, dos políticos. A gente só espera que essas ações tenham resultado para a gente e que isso não ocorra daqui para frente.
Como está seu projeto social de natação?
A gente toca ele pessoalmente, minha família e os encarregados. É o maior do Brasil, mas não deveria ser. Deveria ter vários do tamanho do meu. Então tem muita coisa para melhorar. Espero que a gestão nova da CBDA consiga implantar boas ideias para gerar frutos para 2024, porque para 2020 vamos tentar gerar algo, mas é um ciclo que já está em cima para pensar em resultado.
Como está sendo sua vida agora que é pai?
O nadador não mudou, o Albertinho (Silva, técnico no Clube Pinheiros) fala que eu continuo chato como sempre fui, reclamando, sendo competitivo. Mas a rotina muda, pois tem agora uma criança em casa. E com isso tenho um ganho enorme. Às vezes saio puto de um treino e chego em casa e ele está todo felizão. Isso já muda meu humor. Ele ajuda bastante na motivação.
Ele já tem noção do que você representa para a natação?
Não tem (risos). Ele nem fala direito ainda. Aprendeu que se tem uma piscina eu vou estar nela, então aponta para a piscina e fala "papai". Acho que ele já entendeu que eu fico ali bastante tempo.
Como é ver atletas mais jovens imitando você quando sobem no bloco antes das provas?
É muito legal. Nunca pensei nesse lado de legado, que estou pensando agora. Depois da Olimpíada de Pequim, pensava muito na responsabilidade de não fazer coisa errada em público. Sempre quis passar uma imagem de que cheguei até aqui ralando muito, com sacrifício. Fui para os Estados Unidos falando inglês super mal, morei sozinho no Alabama... Tive essa noção de responsabilidade até dois anos atrás, mais ou menos quando meu filho nasceu. É super gostoso ver a molecada fazendo isso. Está sendo legal aproveitar esse final de carreira sem tanta pressão de resultado, tentando usar esse lado como motivação para mim.
Você vai lutar para estar nos Jogos Olímpicos de Tóquio?
Se estiver bem, vou tentar, sem dúvida. É meu lado competitivo que está falando. Se não estiver bem ou não estiver nadando, vou tentar ir de alguma forma. Vou falar com os treinadores, se for importante estar no deck da piscina para ajudar a seleção de alguma forma. O objetivo é a partir de agora estar envolvido na competição de uma maneira positiva. Se eu continuar nessa evolução que estou tendo, não vejo motivo para não tentar.
O ouro olímpico do Anthony Ervin nos 50 metros livre aos 35 anos serve de inspiração para você?
O Ervin mostrou para todo mundo, assim como o Nicholas Santos no Mundial deste ano, que no esporte de alto nível a performance não tem idade. Se você está motivado a treinar e a pagar o preço da dor e dos sacrifícios, o resultado vem. O esporte de alto rendimento é justo com todo mundo. Quem treinou e se dedicou vai colher os frutos e não importa a idade. Eu não tenho limite de idade na minha cabeça, o limite é até eu aguentar a piscina. Na hora que começar a brigar com ela, vou questionar se devo continuar lá dentro. Se em 2019 eu perceber que as coisas estão fluindo, vou tentar 2020. O revezamento é uma prova que a gente vislumbra medalha no Mundial e até na Olimpíada.
Você ainda consegue nadar tão rápido quanto antes?
Estou tentando passo a passo buscar minhas melhores marcas sem os trajes. Meu melhor tempo ainda é 21s38 do Mundial de Barcelona. Espero que até o final do ano que vem esteja de volta aos melhores tempos da minha carreira. Essa é a meta que coloquei.
Quanto tempo ainda vai demorar para que seus recordes sejam quebrados?
Se alguém for bater, é mérito da pessoa, não torço contra. O Caeleb Dressel tem capacidade total de bater e acho que os 100 metros livre vem primeiro. Os 50 metros livre podem chegar mais perto do tempo, mas o lance da velocidade máxima é muito fino, então falar em 10 centésimos nessa distância, é complicado. Vejo uma barreira mental nos 21 segundos. Nos 100 metros tem a barreira dos 47 segundos, mas vejo mais janela para trabalhar a melhora da prova. Imagino que em 2019 seja o primeiro desafio e depois vai ser ano a ano a briga para bater essas marcas. O recorde está sozinho, ele que se defenda agora. Eu já fiz minha parte.