Arte

Crise no Rio tira bailarina do Municipal

17 jul 2017 às 11:15

Em 2007, em uma apresentação de O Lago dos Cisnes, Márcia Jaqueline chegou ao posto mais visado do balé do Theatro Municipal do Rio, que já foi de Bertha Rosanova e Ana Botafogo. "Todas as funções são importantes e nem todo mundo quer ser uma das primeiras-bailarinas, mas eu sempre quis. É dura a vida de bailarina, a gente perde parte da infância, sacrifica o corpo, se impõe uma rotina pesada de ensaios, mas acho que vale a pena."

Em 2007, o governo do Rio também tinha motivos para comemorar. Era o ano da descoberta do pré-sal, a faixa de 800 km entre o litoral do Espírito Santo e de Santa Catarina, com potencial bilionário de produção de petróleo. Apesar da dificuldade de exploração, a notícia foi motivo de euforia. "O Brasil ganhou na loteria", disse o presidente Lula à época. Só que o entusiasmo foi ofuscado.

A queda do preço do petróleo nos últimos anos e os escândalos de corrupção, que fizeram a Petrobrás perder fôlego para investir, atingiram os fluminenses em cheio. Dilapidado em um esquema de desvios que levou o ex-governador Sérgio Cabral à prisão, o Rio virou um dos símbolos da crise. O Estado encerrou 2016 com a maior dívida consolidada líquida do País. A previsão de déficit para este ano é de R$ 21,7 bilhões.

Intervalo

O espetáculo de comemoração dos 108 anos do Municipal, na última sexta-feira, foi também a despedida de Márcia Jaqueline. A artista de 35 anos aceitou um convite para dançar no Teatro de Salzburg, na Áustria, para onde se muda no fim do mês com o marido, o pianista Guilherme Tomaselli, que vai estudar regência lá. Quem continua como primeira-bailarina é Claudia Mota.

"Posso ficar até quatro anos lá, sem perder o meu posto. Nunca tinha pensado em morar fora, mas a carreira de bailarina não é longa e preciso aproveitar meus melhores anos. Meu plano ainda é encerrá-la no Municipal. É difícil deixar o teatro depois de 20 anos, quem fica precisa se virar", diz Márcia.

No rádio do carro, Filipe Moreira, de 36 anos, ouviu o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) dizer, em janeiro, que esperava que 2017 fosse um ano melhor. Ele também. Com as contas atrasadas, tendo de negociar a mensalidade para conseguir manter o filho, Heitor, de 5 anos, na escola particular, o também primeiro-bailarino do Municipal virou motorista de Uber por dois meses. Logo depois, foi dar aulas particulares.

"No ano passado, começaram os atrasos de salário. Primeiro, por dias, depois meses, até passarem a parcelar." A situação em casa é grave, porque sua mulher, Élida Brum, também trabalha no teatro, como segunda solista do balé. Ela, além de dar aulas, montou um site para vender artesanatos.

Junto com os artistas, os demais servidores do Theatro Municipal estão sem receber o 13º salário do ano passado, parte do pagamento de maio e o vencimento de junho. O de abril foi pago em um acordo com o governo, que transferiu a arrecadação da bilheteria com o espetáculo Carmina Burana aos funcionários, cerca de 550, no total.

Para expor a situação e coletar doações de alimentos, eles criaram uma página no Facebook, a S.O.S. Theatro Municipal. A maioria se vê não sabendo como chegar ao fim do mês.

Não é só no Municipal

Os servidores de outras áreas que antes se orgulhavam da estabilidade, também não podem mais contar com o salário. A auxiliar de serviços gerais da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), Katerine Figueiredo, 40 anos, trabalha como cuidadora de idosos aos fins de semana. "Perdi a minha paciente e estou buscando outra. É degradante."

Bastidores

Na última semana, a Secretaria da Fazenda anunciou o pagamento dos salários de junho dos servidores da educação e da segurança. Os demais receberam parcela de R$ 550, referente a maio. Faltam receber 216.127 ativos, inativos e pensionistas, totalizando R$ 609,8 milhões referentes a junho. A perspectiva do governo é regularizar os salários com empréstimo de R$ 3,5 bilhões, dando como garantia ações da companhia de saneamento, a Cedae.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.