O olhar parecia distante, mas mirava o futuro: após um breve discurso, na tarde do último sábado, o artista plástico Francisco Brennand descerrou a placa que tornava oficial uma de suas mais importantes criações: a transformação da Oficina Cerâmica Francisco Brennand em um instituto. Com isso, o gigantesco espaço de 15 km localizado no bairro da Várzea, no Recife, tornou-se uma entidade sem fins lucrativos, com o objetivo de preservar a obra do artista e de se tornar um polo cultural da região.
"Foi um esforço enorme chegar até aqui, mas nada na vida é fácil - nem pentear o cabelo", brincou Brennand que, aos 92 anos, revela-se uma figura imponente graças à uma sólida formação cultural, ornamentada por uma vasta barba branca.
Ele é o autor das cerca de 3 mil obras, entre pinturas e esculturas de cerâmicas, que compõem o acervo do espaço, que se torna um lugar ainda mais espetacular por estar cercado por uma floresta remanescente da Mata Atlântica e pelas águas do Rio Capibaribe, principal curso dágua do Recife.
A criação do Instituto Oficina Cerâmica Francisco Brennand permitirá a formação de parcerias nas áreas de cultura, educação, turismo, tecnologia e inovação. Na prática, significará mais opções ao público, como ofertas de cursos e abertura de espaços com atividades diversas.
"Em janeiro, organizaremos um simpósio para discutir os primeiros passos", comentou Maria Ignez Mantovani Franco, diretora da Expomus - Exposições, Museus e Projetos Culturais, empresa que recebeu a missão de criar um modelo para preservação e sustentabilidade do espaço. "Entrarão na pauta desde assuntos estruturais, como a adequação de serviços oferecidos ao público, como banheiros e lanchonetes, até a realização dos primeiros projetos que, para além da preservação e comunicação do legado do artista, mostrará a visão de futuro que esse legado pode impulsionar."
Legado
Brennand foi precedido, no discurso, por Marcos Vilaça, ex-ministro e presidente do Tribunal de Contas da União e membro da Academia Brasileira de Letras. Em clima de reunião de amigos, ele definiu a importância do momento: "Foi um ato de bom senso. Ninguém nos perdoaria se deixássemos desamparado, sem abrigo às ações do tempo, este grandioso conjunto que o ceramista nos legou", discursou.
De fato, o espaço surpreende qualquer visitante. Inicialmente, ali era uma antiga fábrica de telhas e tijolos fundada pelo pai do artista plástico, Ricardo de Almeida Brennand, em 1917. O espaço ficou abandonado nos anos 1960 até que, em 1971, nasce a Oficina Cerâmica Francisco Brennand - ele, que se iniciou na arte ilustrando um jornalzinho de colégio com Ariano Suassuna, foi o responsável pela transformação.
Aos poucos, o espaço foi sendo ocupado pelas suas obras. Brennand começou sua carreira como pintor. Mas logo descobriu na cerâmica o seu meio de expressão, animado com a descoberta, em Paris, das peças de barro feitas por Picasso, Miró e Léger, entre outros mestres. Mas, como gosta de frisar, mesmo que fosse só um escultor, seria um escultor com coração de pintor.
Independentemente do formato, suas obras provocam surpresa - impossível não suspender a respiração ao se ver diante de obras como Leda e o Cisne (1980), que retrata uma mulher deitada e com as pernas erguidas e cruzadas, ou as faces de Carlota Corday (1993) e Inês de Castro (1994), nas quais, no pouco que mostram, revelam toda a história dessas mulheres.
O Instituto nasceu a partir do apoio também financeiro do irmão do artista, Cornélio Brennand, e da sobrinha-neta Mariana Brennand Fortes que, desde 2002, desenvolve projetos como o documentário Francisco Brennand, de 2012. No sábado, confortado com os novos rumos de seu espaço, o artista confessou: "A minha parte está feita, e foi feita com minha alma de artista, intransferível. Agora, é com as novas gerações".
100 quadros
O uso de uma bengala é o único sinal visível de fragilidade - aos 92 anos, Francisco Brennand continua ativo no exercício de sua arte. Desde o início do ano, por exemplo, vem trabalhando ativamente na pintura, disposto a encerrar a temporada com 100 novos quadros pintados. "Trabalho agora no de número 97", conta, orgulhoso, ao 'Estado'. "São estudos, pequenos quadros que pretendo deixar para minhas filhas." Sobre o estilo: "Nunca me considerei abstrato ou figurativo". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.