Todo o acervo da vida e obra do poeta e diplomata Vinicius de Moraes (1913-1980), que se encontra no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Fundação Casa de Rui Barbosa, poderá ser acessado a partir de hoje (27), às 8h, de forma virtual e gratuita no site
http://acervo.viniciusdemoraes.com.br.
Desde 1992, o acervo está aberto para consulta pública presencial na instituição, mas só agora a VM Cultural, empresa criada pelos filhos de Vinicius para fazer a gestão de sua obra e dos direitos autorais, digitalizou as informações, visando não só a preservar os documentos, mas também a democratizar seu conteúdo para pesquisadores e o público em geral.
Até o final da década de 80, o acervo estava na casa da família do poeta, na Gávea, bairro da zona sul carioca, onde foi cuidado por suas irmãs Lygia e Laetitia de Moraes. São 6 mil registros envolvendo mais de 11 mil documentos originais, entre manuscritos e datilografados, que totalizam quase 35 mil imagens digitalizadas.
Em 1987, o acervo acabou doado ao Arquivo-Museu da Fundação Casa de Rui Barbosa, localizado em Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro. Ele inclui poemas, textos em prosa, letras de música, peças teatrais, roteiros de filmes, discursos, notas e cartas, agora disponíveis para consulta online.
Dois eixos
O projeto de digitalização foi idealizado pela neta do poeta, Julia Moraes, sob a coordenação técnica do designer Marcus Moraes, sobrinho-neto de Vinicius. Em entrevista à Agência Brasil, Marcus disse que o projeto, como qualquer outro de ciência da informação, tem dois eixos, que são preservar e disponibilizar a informação. “Tem dois objetivos principais: a preservação dos documentos; quando você digitaliza, faz uma cópia digital, e você, que só tinha acesso presencial à Casa de Rui, agora basta ter acesso à internet para consultar os documentos”.
Marcus Moraes explicou que, em comparação com outros, o acervo de Vinicius “é bem parrudo, bem grande”. Observou que como ele contém material de terceiros, alguns manuscritos se acham em processo de autorização, porque “são conteúdos de outras pessoas. Quando foi doado o material, tinha coisas que não eram somente de Vinicius e estão sendo autorizadas. A maioria das pessoas contactadas está autorizando, mas outros ainda passam por esse processo. Estamos fazendo tudo com o processo jurídico correto”, afirmou.
Processo de criação
Além da diversidade de material, o acervo digitalizado mostra dados desconhecidos pelo grande público, como o processo de criação de um poema ou composição, com seus diversos rascunhos. Para o sobrinho-neto de Vinicius, a parte mais interessante é “ver o processo criativo. É como se Vinicius abrisse o seu caderno de notas, a sua gaveta de rabiscos para o público. É muito interessante ver como ele trabalhava palavras; ele rabiscava, fazia uma nova versão do poema, uma coisa muito metódica, detalhista, perfeccionista mesmo. Esse processo é fascinante. Tem isso tanto nos poemas, quanto nas letras de músicas. É fascinante ver o cuidado dele com as rimas, com a melodia, com a repetição, para ter uma métrica boa, para ser fácil de cantar determinado verso. Isso é muito curioso de ver”.
Marcus Moraes afirmou que o acervo do “poetinha”, como Vinicius era chamado, não contém material iconográfico. “Mas é muito rico. Dá para se divertir bastante no site". As fotos colocadas servem apenas para ilustrar, “para dar um colorido”. Ele explicou que o site estará em permanente atualização, incluindo futuramente novos conteúdos.
A Casa de Rui Barbosa tem muitos recortes de jornal sobre o poeta, que deverão ser incluídos em uma segunda etapa. “Serão atualizações. Vinicius está muito vivo ainda, graças a Deus. Tem muita coisa dele na área: está com peça na Broadway, tem livro sendo reeditado em várias línguas. Ele é muito popular mesmo. A gente fica muito feliz de ampliar isso”, acrescentou o sobrinho-neto do diplomata.
Memória
O acervo digitalizado de Vinicius de Moraes considera a relevância da preservação da memória da cultura nacional, ao mesmo tempo em que permite o acesso a um número ilimitado de pesquisadores, professores, escritores, músicos, artistas e do público em geral. O Acervo Digital Vinicius de Moraes tem patrocínio do Ministério do Turismo e do Itaú.
De acordo com os organizadores, a trajetória múltipla de Vinicius atravessa os mais diversos ambientes culturais e intelectuais, que vão desde Mãe Menininha do Gantois a Orson Welles; de Baden Powell a Pablo Neruda; passando por cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Ouro Preto, Montevidéu, Buenos Aires, Paris, Oxford e Los Angeles.
A neta do poeta, Julia Moraes, destaca que “do ponto de vista de quem quer entender os processos literário e criativo, o acervo é muito rico. É um mapa da criação. Não são só acertos, ali estão os erros também. Acredito que isso valorize todos os artistas”.
O acervo está dividido em três grandes séries: Correspondências, Produção Intelectual e Documentos Diversos. Os documentos poderão ser consultados por meio de um sistema de buscas online. O inventário completo do acervo está disponível gratuitamente para download em PDF, permitindo também uma busca offline.
Destaques
Na série Correspondências, há cartas de parceiros musicais de Vinicius, entre os quais Baden Powell, Carlos Lyra e Tom Jobim, e dos amigos estrangeiros Orson Welles, Gabriela Mistral, Pablo Neruda e Waldo Frank. Há também carta de Charles Chaplin agradecendo o envio da primeira edição da revista Filme, fundada por Vinicius em Los Angeles.
Na série Produção Intelectual, a documentação revela o campo extenso de atividades de Vinicius ao longo da vida, com poesia, textos em prosa, artigos, peças, letras de música, shows, roteiros de cinema, discursos, entrevistas e traduções. O público poderá conhecer, por exemplo, as diferentes versões do roteiro de Les Amants de la Mer e detalhes da produção, até o roteiro final, de Garota de Ipanema, bem como o roteiro decupado do filme Orfeu Negro, dirigido pelo cineasta francês Marcel Camus.
Na área musical, mais de 260 letras estão reunidas no acervo, algumas com mais de uma versão, como acontece em relação aos poemas. Destacam-se Insensatez, Chega de Saudade, Canto de Ossanha (quatro versões), Canção do Amanhecer (nove versões), Por Toda a Minha Vida, Tarde em Itapoã, Samba da Bênção e A Minha Namorada. Outro destaque é a Sinfonia da Alvorada, poema sinfônico de Vinicius e Tom Jobim, feito a pedido do presidente Juscelino Kubitschek e de Oscar Niemeyer para a inauguração de Brasília.
Na produção teatral, podem ser encontrados o original de Orfeu da Conceição, as versões incompletas do 1º e do 2º atos do espetáculo, as provas tipográficas e o texto impresso sobre a peça na revista Anhembi (1954), além de notas sobre gastos, roteiro de luz e bilhetes de pré-estreia. Há o texto datilografado incompleto de Ópera do Nordeste, tragédia musical com canções de Vinicius e Baden Powell. Pode ser consultada ainda a peça Os Três Amores, de 1927, que consiste em uma imitação de A Ceia dos Cardeais, de Júlio Dantas, com uma observação de Vinicius: “Foi feito com a idade de 14 anos. Peço, pois, ao leitor ser bondoso comigo.”
Livros
A VM Cultural lembra que todos os livros de poesia de Vinicius de Moraes estão disponíveis para leitura, bem como manuscritos, versões datilografadas, provas tipográficas, emendas, correções e textos com mais de uma versão. Alguns trazem uma apresentação com detalhes de cada publicação. Nesse tópico, destaque para O Caminho para a Distância, primeiro livro publicado, em 1933; Poemas, Sonetos e Baladas (com 47 poemas, entre eles Soneto de Fidelidade e Soneto de Separação) e Roteiro Lírico e Sentimental da Cidade do Rio de Janeiro, obra inacabada e publicada postumamente, que é uma declaração de amor ao Rio.
Vinicius escreveu ainda crônicas, críticas de cinema e textos sobre música popular em jornais e revistas, nos anos de 1940 e 1950. Muitos desses textos foram reunidos em dois livros de crônicas cujos originais, além dos diários sobre as obras, estão disponíveis. São eles: Para Viver um Grande Amor (1962) e Para uma Menina com uma Flor (1966).
Já em Documentos Diversos, estão reunidos folhetos, cadernos de anotações, cartões de visita, convites e documentos importantes para o estabelecimento da história do cinema no Brasil. Há um dossiê sobre a criação do Instituto Nacional do Cinema, além de relatórios sobre os festivais internacionais de cinema e atas das reuniões do Primeiro Festival Internacional de Cinema no Brasil.