As fronteiras entre arte e moda costumam ser maleáveis. Criações de estilistas como Yves Saint-Laurent, com sua icônica coleção inspirada em Mondrian, ou a fundação de museus por grifes de luxo como a Prada, são alguns exemplos disso. E cada vez mais a moda estreita seus laços com outras linguagens artísticas.
Esse hibridismo esteve presente na performance 'Kemp Dreams Kabuki Courtesans', exibida na última quinta-feira, 15, em Florença, durante a Pitti Imaggine Uomo, a principal feira de moda masculina da Itália.
Promovida pelo Instituto Europeu di Design (IED), centro educacional italiano voltado aos cursos de design, moda, artes visuais e comunicação, a produção foi comandada pelo multifacetado artista inglês Lindsay Kemp, de 79 anos, que tem, em seu vasto currículo, feitos como a direção do show Ziggy Stardust, de David Bowie. Aliás, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Kemp afirma ter sido o responsável por ensinar o músico a dançar.
No último semestre, Kemp ministrou um workshop para 40 alunos do IED. Eles assumiram a missão de produzir trajes inspirados pelo Kabuki, forma teatral japonesa com forte ênfase na dança, na maquiagem e nos figurinos, cuja origem remete ao século 17. O resultado desse trabalho foi o apresentado durante o evento.
Kemp relata que, desde a infância, nutre admiração pela cultura japonesa. Seu pai, marinheiro, trazia das longas viagens presentes como pequenos quimonos, leques e impressões com caligrafia oriental. "Aquelas cores, luzes e paixões formavam um universo bem diferente da atmosfera sombria de Liverpool durante a guerra."
A forte ligação do IED com a indústria local permitiu que os estudantes utilizassem tecidos e produtos de companhias da cidade de Como, na Lombardia, e da região da Toscana. Durante o processo criativo, Kemp incentivou que o Kabuki fosse apenas uma inspiração, e não um motivo de cópia para os alunos. "Eu também dizia a eles que uma roupa não deve causar prazer apenas ao ser vestida, deve surpreender e impressionar quem a vê."
Atravessada por números de dança, a performance final trouxe um exuberante "desfile encenado" de um total de oito figurinos criados pelos estudantes. Praticamente sem ensaios e exibida uma única vez, a apresentação foi embalada pela voz e pela percussão típicas do músico japonês Joji Hirota, alternadas por canções de ópera de nomes como Dvorák. O que se presenciou foi um espetáculo de cores e leveza, tradição e frescor juvenil.
Florença, "um museu a céu aberto" - e um dos berços, na Europa, do desenvolvimento da moda como um fenômeno cultural -, já criaria uma atmosfera extasiante para a performance. Mas a escolha como cenário do relativamente jovem Museo Novecento, além de reforçar o diálogo entre a moda e outras linguagens artísticas, salientou as possibilidades existentes na relação entre tradição e novidade - exatamente a proposta de Kemp ao trazer o Kabuki para o centro do trabalho.