Música

Intérpretes de diferentes gerações fazem show em tributo ao centenário de Dalva

08 jul 2017 às 09:10

Quinta-feira à tarde em um estúdio da zona oeste de São Paulo. Um a um, começaram a despontar na porta de entrada os cantores que participarão do show 100 anos de Dalva de Oliveira, neste sábado, 8, no Teatro J. Safra. Nem todos os participantes do projeto puderam ir àquele ensaio, mas boa parte do elenco estava reunido lá. E o que se viu ali foi a concretização do tal encontro de gerações: as veteranas Ângela Maria, Alaíde Costa, Luciene Franco e Claudette Soares lado a lado com os experientes Célia, Tetê Espíndola, Márcio Gomes, Verônica Ferriani e Marina de la Riva, e com uma novíssima geração representada por Ayrton Montarroyos, que fez sucesso em uma recente edição do The Voice Brasil, e Assucena Assucena e Raquel Virgínia, da banda As Bahias e a Cozinha Mineira.

Ângela, Alaíde, Claudette e Luciene foram reverenciadas pelos mais jovens. "Fiquei em choque quando vi a Ângela Maria", derreteu-se Marina de la Riva. Artistas de idades, trajetórias e estilos musicais diferentes unidos em torno da homenageada, Dalva de Oliveira (1917-1972), uma das maiores cantoras da música brasileira, e que, de uma forma ou de outra, influenciou todos eles.

Além de marcar o centenário de nascimento de Dalva, o show também será realizado com renda que vai reverter para o Instituto Cravo Albin, presidido por Ricardo Cravo Albin, musicólogo e importante pesquisador da MPB, que não conta com patrocínio nessa sua missão de preservar a memória da música popular brasileira. "O instituto vive atualmente nessa crise cruel do País numa balança que considero trágica: enquanto sobe a credibilidade, o acervo, todo um conjunto de soluções para preservar a memória, descem os recursos para mantê-lo", lamenta Ricardo Cravo Albin, afirmando que hoje o local é mantido com investimento pessoal e pequenas doações.

Cravo Albin assina o roteiro do show em tributo a Dalva, que, segundo ele, sempre foi sua cantora preferida. O convite partiu de Thiago Marques Luiz, produtor e diretor do show. Foi Thiago quem idealizou o projeto, aliando a homenagem a Dalva e a arrecadação de recursos para o instituto. "Não consegui todos os nomes que queria, mas serão 17 artistas no show", comemora Thiago, que levou também para o projeto Filipe Catto, Maria Alcina, Virgínia Rosa, Edy Star e Xênia França. "É importante que tenham outras gerações envolvidas para levar novos públicos. Todos esses artistas vão colaborar a seu modo."

Pensado em blocos de músicas por Ricardo Cravo Albin, passando pela Dalva dos bolero, dos tangos, do samba-canção, o espetáculo terá os artistas dando suas próprias interpretações a esses diferentes momentos da homenageada. E a figura de Ângela Maria surge como fio condutor de tudo isso. Afinal, é ela quem faz a ligação de Dalva de Oliveira com a geração de cantores que veio logo depois dela e também com as posteriores. Ângela começou a carreira imitando Dalva. E ela sempre se refere a Dalva com carinho, apesar da rivalidade que se estabeleceu entre as duas após Ângela aparecer com força também. "Dalva sempre foi importante para mim, porque eu sou o que sou hoje em dia graças a ela", diz Ângela Maria, ao Estado, no intervalo de ensaio. No show, ela cantará Neste Mesmo Lugar. "Eu me tornei uma grande fã da Dalva pela voz dela, pela potência vocal. Então, era a única artista que eu poderia imitar na época para ganhar os programas de calouros. Me tornei Ângela Maria graças a Dalva de Oliveira, é um agradecimento que eu faço sempre. Foi a maior voz de todos os tempos. Ela misturava o clássico com o popular, isso é difícil."

Histórico

Aliás, a voz potente de Dalva de Oliveira, e toda a dramaticidade que a cantora carregava nela, é uma unanimidade entre cantores que se reuniram para o ensaio. Todos eles foram arrebatados por ela em algum momento de sua vida. O cantor Ayrton Montarroyos, de 22 anos, o caçula dessa turma, começou a ouvir Dalva ainda criança. "O disco dela era o que mais me emocionava, eu chorava. Teve um trabalho no colégio, eu tinha 11 anos, e o pessoal da classe levou o que estava (tocando) na época. Levei Dalva, a classe inteira ficou chocada e foi o primeiro momento que eu vi que ninguém conhecia ela", lembra o jovem artista, que se destacou no The Voice por interpretar justamente clássicos da música brasileira. "Conheço todas as músicas dela, sou apaixonado", completa ele, que vai interpretar Não Tem Mais Fim.

A proximidade com a obra de Dalva também vem da infância para as cantoras Tetê Espíndola e Verônica Ferriani. "Ela foi uma influência incrível primeiro na vida da minha mãe: ela cantava todas as músicas da Dalva. A gente ouvia no rádio lá em Matogrosso, e eu era bem pequena. Então, uma das minhas primeiras influências de voz foi ela. Lembro de Ai Ioiô (Linda Flor), que é uma coisa que ficou para sempre, tanto que, mais tarde, eu gravei (no compacto Escrito nas Estrelas, de 1985), na época do festival", conta Tetê, que, no show, cantará esse clássico. Já Verônica conheceu Dalva pela avó, que ouvia suas músicas e chorava. "Vai ser um pot-pourri: vou cantar Fim de Comédia, grande sucesso dela, e Nunca Te Esquecerei", antecipa ela.

Apontada como uma das intérpretes favoritas de Ary Barroso, a cantora Luciene Franco não só buscou o repertório de Dalva quando começou a carreira, nos anos 1950, como fez parte da família dela. Luciene foi casada por dois anos com Ubiratan Martins, filho de Dalva e Herivelto. "Ela era aquela pessoa incrível como pessoa, muito sofrida, teve uma vida não tão longa, mas muito intensa, e ela botou toda essa alma dolorida nas interpretações dela", diz ela. "No show, canto E A Vida Continua, foi uma música que marcou muito a separação dela e Herivelto."

Além das interpretações individuais, o espetáculo reunirá todo o elenco no palco no final, unindo suas vozes na célebre Bandeira Branca. Como Ricardo Cravo Albin prevê, 100 anos de Dalva de Oliveira deve entrar para o rol dos shows históricos.

100 ANOS DE DALVA DE OLIVEIRA

Teatro J. Safra. Rua Josef Kryss, 318, Barra Funda, tel. 3611-3042. Hoje (8), às 21h. R$ 60 / R$ 120 (renda do show vai reverter para o Instituto Cravo Albin)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.