Unimed

Pela saúde do próximo: a beleza e o sofrimento de ser um cuidador

04 jul 2019 às 10:03

 Você já teve que cuidar de alguém em uma situação crítica de saúde? A beleza e o sofrimento desse ato de carinho e responsabilidade é tema de uma conversa esclarecedora com a psicóloga Daniela Bernardes, especialista em Psicologia Hospitalar com ênfase em Saúde do Idoso e Cuidados Paliativos pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). 

Neuropsicóloga pelo Instituto Lev Vigotsky, Practitioner em Programação Neurolinguística (PNL) pela Sociedade Brasileira de PNL, Bernardes atuou por 4 anos como Preceptora da Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso e Cuidados Paliativos do HCFMUSP. 

1• Cuidar é algo natural do ser humano. Por que falar de sofrimento em cuidar?

Daniela Bernardes - Desde a mais tenra idade, o ser humano tem necessidade de cuidados para sobreviver. Ao longo de sua história foi desenvolvendo formas mais elaboradas de cuidado. Para que haja a realização de um cuidado adequado, há que se estabelecer uma relação de proximidade e empatia com quem necessita desses cuidados. Tal proximidade genuína para a percepção do olhar do outro (de suas dores físicas, emocionais, sociais e existenciais) gera sofrimento e, por isso, é importante falar de sofrimento no cuidar, pois existem estratégias de enfrentamento para lidar com esse sofrimento, ao mesmo tempo em que buscamos a excelência no cuidado de quem dele necessita. 

2• Quais são as pessoas que correm mais risco de ter estresse do cuidador?

DB - Pessoas com desordens emocionais e psiquiátricas prévias, como transtornos depressivos e ansiosos, por exemplo, com baixa tolerância à frustração e às mudanças trazidas pelo desenrolar da vida, com rigidez excessiva de pensamentos e comportamentos (os chamadosMindsets Fixos, além de pessoas que tenham dificuldade para pedir ajuda, quando necessário, com baixa auto percepção dos próprios limites, com famílias desestruturadas que dificultam a divisão de tarefas, bem como insuficiência financeira, são alguns dos fatores que potencializam o desenvolvimento do estresse do cuidador.

3• Como cuidar pode fazer bem ao ser humano? Como podemos encarar esse desafio?

DB - Cuidar é uma tarefa árdua que demanda envolvimento e desprendimento por parte de quem cuido. Por esse prisma, ter a chance de cuidar de alguém pode ser a oportunidade de nos tornarmos mais humanos de fato, pois cuidar e ser cuidado faz parte das nossas relações. Ao cuidar de alguém, você tem a oportunidade de desenvolver habilidades como paciência, tolerância, perseverança, esperança e, especialmente, resiliência, que é uma ferramenta mestra para lidarmos com as intempéries da vida. Outro ponto importante é o desenvolvimento da capacidade de lidar com as próprias limitações, pois é ela que nos direciona para a saúde e a manutenção de uma atividade cuidadora mais saudável, visando aceitação e respeito às leis naturais da vida e, por conseguinte, da morte.

4• Existe como cuidar especificamente das pessoas que cuidam de outras? 

DB - Cuidar de quem cuida é algo extremamente complexo mas possível, pois demanda fatores intrínsecos e extrínsecos a quem cuida. Por exemplo: uma senhora idosa que há 20 anos cuida de esposo com Alzheimer e que acredita que apenas ela preste bons cuidados a ele terá dificuldades para ser ajudada com uma cuidadora particular, pois crê que outras pessoas não o fazem “direito”. Uma filha que cuida da mãe sem a ajuda dos demais irmãos porque esses consideram que a reponsabilidade é dela, pois é ela quem vive com a mãe. Tais exemplos mostram o quão complexo o universo do cuidar se mostra na prática e nos dá pistas importantes:
• Muitas vezes, quem cuida tem a ação como sentido exclusivo de vida.
• Além do desgaste, que é o mais evidente, também existe um ganho em cuidar. É o chamado “ganho narcísico”. Ou seja, o desgaste do cuidado inconscientemente envaidece e, por vezes, também adoece.

Levando em conta esses pequenos exemplos, cuidar de quem cuida necessita de avaliação dos passos a seguir:
• Avaliação dos motivos aparentes e não aparentes da realização dos cuidados
• Avaliação do contexto familiar em que o cuidador está inserido
• Qual é o sentido de vida do cuidador
• Tempo de cuidados prestados pelo cuidador. 

A partir dessas observações, pode-se identificar a melhor forma de cuidado, que é individual. Por exemplo, a senhora que citei acima pode “ensinar” a cuidadora contratada sobre como cuidar melhor de seu esposo e não deixar de se sentir útil por conta da contratação de alguém. Assim, ela teria mais tempo para pensar e fazer outras coisas das quais gostava antes do adoecimento do esposo. No segundo exemplo, identificando a característica da dinâmica familiar, consegue-se sensibilizar os demais irmãos de que há responsabilidade coletiva pelos pais, e reordenar o formato do cuidado a partir dessa sensibilização coletiva, dando à cuidadora principal condições de ir ao grupo de cuidadores da Rede de Cuidados Continuados, por exemplo. 

De maneira geral, as possibilidades são inúmeras, desde que haja uma avaliação panorâmica das demandas e propostas individuais, que devem sempre levar em conta as necessidades e possibilidades de cada indivíduo e família em que está inserido.

5• Como funciona um ambulatório de cuidadores na Rede de Cuidados Continuados? Quais os diferenciais e benefícios?

DB - O Ambulatório de Cuidadores é uma extensão da Rede de Cuidados Continuados (RCC) que presta assistência aos cuidadores de pacientes assistidos pela rede, desde o momento em que paciente e a família entram no serviço até o pós-óbito.  Inicialmente avaliando, acolhendo, prevenindo e triando demandas e, posteriormente, se necessário, acompanhando desordens emocionais que se apresentem pelo desgaste emocional que um processo de perdas/luto pode gerar.

Os cuidadores têm acesso à avaliação e assistência psicológica, a depender das demandas apresentadas, nos diferentes locais da rede. Eles são encaminhados ao ambulatório de cuidadores, caso tenham sinais de desenvolvimento de estresse do cuidador e/ou luto complicado, visando apoio e ressignificação do cuidado e das perdas sofridas, desde o adoecimento até a morte do ente querido e também posteriormente, se necessário.

Tal assistência se torna um enorme diferencial para pacientes e familiares, pois proporciona acolhimento de quem sofre, promove a ressignificação das perdas e mudanças ocorridas pelo adoecimento em todo o círculo familiar, visando aceitação e a prevenção de complicadores do luto, que podem ser ocasionadores de desordens emocionais crônicas, quando não cuidadas em tempo hábil.

6• Deixe uma mensagem para os familiares e cuidadores contratados que hoje vivem esta missão com alguém...

DB – Certa vez, John Donne escreveu: “Nenhum homem é uma ilha isolada. Cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra. Se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria. A morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”. 

Cuidar é uma das maiores dádivas, quando se dá a tal ação o devido significado. Como mencionado por John Donne, a todos tempo tocamos e somos tocados pelas dores e alegrias humanas. Essa é a beleza de existir. Melhorar o toque, no sentido real e figurado do termo, é nossa máxima capacidade de real humanização de nós mesmos. Cuidar nada mais é do que isso.

RCC

A Unimed Cascavel está presente em toda linha da vida dos pacientes. É por isso que passou a fazer parte da Rede de Cuidados Continuados (RCC), que capacita médicos de várias especialidades para os cuidados paliativos, modelo de Medicina centrado nas pessoas com doenças incuráveis. 

A Rede de Cuidados Continuados é um sistema composto por todas as modalidades de atendimento em cuidados paliativos (hospitalar, ambulatorial e domiciliar) conduzido por equipes capacitadas para lidar com as demandas físicas, psicossociais e espirituais apresentadas por cada paciente e/ou família. Estas modalidades obrigatoriamente inseridas num sistema completo de atendimento em rede, com monitoramento, gerenciamento de risco, reabilitação de curto prazo e desospitalização moderna e segura.

Quem se beneficia?

Todos os pacientes que apresentam uma doença ativa, progressiva e que ameace a continuidade da vida nas suas diferentes fases de evolução são elegíveis para o acompanhamento de uma equipe de Cuidados Paliativos. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que esses pacientes tenham acesso a essa abordagem desde o diagnóstico de uma doença ameaçadora à vida.

Cuidar de você. Esse é o plano.