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Merlí e seus alunos: a filosofia como uma prática libertária

19 fev 2018 às 10:18

Série espanhola cuja terceira temporada acaba de estrear na Netflix, Merlí tem conquistado cada vez mais audiência pela maneira como aborda a filosofia.

Tendo a escola como principal núcleo, a série apresenta a trajetória de Merlí Bergeron (Francesc Orella), um professor de ensino médio que ensina filosofia de uma forma nada convencional, estimulando seus alunos a pensarem por si mesmos.

No Brasil, um dos entusiastas da série é o professor de ética e filosofia da USP, Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação no governo de Dilma Rousseff. Ele até criou uma página no Facebook (Merlí e a Filosofia no Ensino Médio) para demonstrar como a série por ajudar educadores.

"O grande trunfo da série está na forma como esse professor articula a filosofia, colocando-a próxima da vida das pessoas. Os jovens vivem uma fase em que têm de lidar com uma série de escolhas: afetivas, profissionais e pessoais. E a filosofia é muito útil na resolução desses conflitos. É até um paradoxo, pois a filosofia é tida como algo inútil pelo senso comum", comenta.

Para ele, a abordagem de Merlí vai na contramão do que predomina na educação: um amontoado de conceitos e fórmulas que o aluno tem de decorar, sem nenhuma aplicabilidade prática. "O que Merlí faz é pegar a mais abstrata das disciplinas e dar a ela concretude e sentido. Os autores que ele aborda são fundamentais na formação do jovem."

Os capítulos têm por título cada uma das escolas ou personagens centrais da filosofia: os peripatéticos, os pré-socráticos, Platão, Maquiavel, Aristóteles, Sócrates, Foucault, etc. E os pensamentos ligados a cada um deles são levados para a vida prática, ajudando os estudantes a trabalharem questões pessoais. 

Muito querido pelos jovens, Merlí mantém com seus alunos uma relação que ultrapassa os domínios da sala de aula. E é aí que a série se revela fascinante, pois os jovens conseguem perceber que a filosofia é uma ferramenta de sabedoria para enfrentar os desafios do cotidiano.

Desafios do ensino

Para quem vive a realidade de uma sala de aula, ensinar filosofia exige certas estratégias para cativar o aluno. "Os jovens brasileiros não têm afinidade com a leitura. Isso é uma questão cultural de nosso País. Em geral, os alunos não gostam de ler; é uma geração direcionada aos vídeos e textos curtos das redes sociais. Isso se configura como um grande desafio", declara o professor Vladimir Miguel Rodrigues, de Rio Preto, que dá aulas de filosofia no ensino médio há dez anos.

Segundo ele, assim como Merlí aborda na série, a filosofia não é só mais uma disciplina escolar. "A filosofia está na origem de todas as disciplinas. Nesse modelo de ensino transversal, todo o conhecimento é unido por meio dela. Desta forma, meu trabalho enquanto professor se consiste em tirar esses jovens da 'caverna' e a apresentar a eles o mundo inteligente, o mundo das coisas", reforça.

Em suas aulas, Rodrigues já lançou mão de várias estratégias para se aproximar dos jovens, como estimulá-los a identificar pensamentos filosóficos em letras de músicas e até criar rimas a partir das ideias de cada pensador ou escola filosófica. "A escola é o espaço da criatividade. E, para ter empatia com a matéria, o aluno precisa ser o protagonista do processo de construção de seu próprio conhecimento."

Filósofo clínico e professor de filosofia, Fabio Henrique Paganin, de Rio Preto, a série da Netflix é interessante porque evidencia um sistema de ensino que permite, "ao menos de leve", certas inovações pedagógicas. No entanto, ele ressalta que tais métodos educacionais não são novidades. "A escola peripatética, por exemplo, foi o modelo adotado por Aristóteles, que colocava os alunos em contato com o ambiente em que viviam."

Segundo Paganin, a filosofia não reflete apenas os conteúdos, mas também os métodos. Ou seja, não apenas os 'porquês', mas os 'comos'. "Já lecionei filosofia para ensino médio e para universitários. E, ao ver a intensidade da força transformadora da filosofia, me formei também em filosofia clínica para atender terapeuticamente as pessoas por meio dos conceitos filosóficos. Platão dizia que o diálogo filosófico era 'pharmakon', ou seja remédio", destaca.

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