Esporte Regional Londrina

Jogadora de vôlei cambeense é pioneira na modalidade na Arábia Saudita

28 jun 2024 às 08:50

Nesta quinta-feira (27), foi celebrado o Dia do Vôlei. E como a modalidade está tão presente na história do esporte cambeense, nada mais justo do que contar a história de uma filha de Cambé que deu seus primeiros passos na modalidade no projeto desenvolvido pela Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, e hoje faz história na Arábia Saudita. Daiane Silva defende as cores do Al-Nassr, e venceu a primeira liga oficial Saudita de vôlei feminino da história. Em férias no Brasil, ela visitou o projeto Cambé Vôlei e dividiu experiências vividas da carreira com as atletas.


Daiane começou na modalidade no projeto Cambé Vôlei entre 2011 e 2012. Com destaque, foi convidada para jogar dois campeonatos em Rolândia, entre eles um estadual, e de lá foi para Marechal Cândido Rondon. Em 2016, se transferiu para o Botafogo, disputando duas temporadas no clube carioca. Entre 2018 e 2022, a oposta, posição em que atua, se ausentou das quadras para ser mãe, voltando a atuar já na Arábia Saudita, primeiro no Al-Hilal e depois no Al-Nassr, os dois principais times do país.


Pelo Al-Nassr, Daiane já ostenta marcas para além do pioneirismo do esporte no país. Nesta temporada, a equipe foi campeã da primeira Liga Saudita e também conquistou os Jogos Árabes. Ela expressou esse sentimento como algo único. “Ganhar é sempre bom. Agora, ganhar o primeiro e servir de exemplo para outras mulheres é melhor ainda. Ganhamos a primeira Liga contra o Al-Ittihad, que é uma equipe excelente. E o segundo título foi a maior rivalidade da Arábia Saudita, contra o Al-Hilal, e foi ótimo. Apesar de eu já ter jogado lá, foi maravilhoso”, expressou.


 

Como é ser mulher na Arábia Saudita


Por conta dos costumes locais, a Arábia Saudita ainda é um país muito machista e com poucos direitos para as mulheres. Mas Daiane ressalta que aos poucos essas barreiras estão sendo quebradas e o espaço ao público feminino vem sendo conquistado. Ela explica, por exemplo, que as atletas não precisam jogar nem se deslocar no país com vestimentas muçulmanas, como o hijab, algo que deixou de ser obrigatório recentemente. As exigências são usar uma legging por baixo de um shorts mais solto e um pouco acima do joelho, sem nada marcando o corpo. Entretanto, a cambeense foca também no sentimento de estar vivendo algo único.


“Para mim, estar lá é uma quebra de barreiras. É muito gratificante a gente fazer parte de um movimento tão legal que é jogar o primeiro campeonato feminino de voleibol da história da Arábia Saudita. Claro, já teve outras ligas, mas oficial mesmo essa foi a primeira. Então, é muito legal, muito gratificante como mulher ver que o país está crescendo para o público feminino, que o machismo está caindo um pouco. Existia ainda isso muito forte das mulheres precisarem cobrir o rosto até a chegada desse príncipe agora. Mesmo assim, não pode mostrar as pernas, ombros, colo, então as mulheres ainda sofrem bastante lá, mas não tanto como há 5 anos atrás. É muito legal acompanhar esse crescimento de perto”, destacou Daiane.



Diferenças culturais

A atleta destaca que o começo na Arábia Saudita não foi fácil, muito pelas grandes diferenças culturais e de costume. Ela se mudou para lá antes mesmo de acertar com alguma equipe, já que o marido, Renato Castro, foi treinar um time de vôlei masculino do país. Na época, Daiane jogava alguns campeonatos clandestinos, não federados, e escondido, já que as mulheres não podiam jogar competições que não fossem oficiais e reguladas. Foi nesse meio tempo que outra jogadora profissional, Marcela Saccani, a procurou e convidou para jogar um campeonato federado pelo Al-Hilal. Desde então, a amizade estreitou e a dupla segue junta.


E mesmo há dois anos no país, a atleta destaca que ainda sente as diferenças culturais. “O idioma é muito difícil e a comida mesmo é bem diferente. Lá eles não têm o hábito de comer arroz e feijão, comem muito arroz com frango, shawarma, as comidas típicas árabes, mas eu senti muita diferença. Não tem frutas e verduras lá, só exportada e bem caro. É completamente proibida bebida alcoólica, nem medicamento com álcool pode lá. É uma realidade bem diferente e muito distinta”, disse.


Uma preocupação que ela tinha, seria como educar um filho em um país tão diferente. No entanto, o país oferece uma estrutura muito boa, e a tarefa não se tornou tão difícil A única preocupação ainda, segundo ela, é a educação. As escolas são muito caras, e o filho já terá que estudar a partir do ano que vem. Além disso, ele diz não gostar muito da Arábia já que não tem muitos amigos e sente saudades dos primos brasileiros.



Futuro


Agora, Daiane Silva pensa no futuro. Com contrato com o Al-Nassr se encerrando no fim do mês, a partir de julho começam as negociações. O objetivo dela é seguir na Arábia Saudita, se não dentro das quadras, na areia. “Tenho em mente começar vôlei de praia e seguir jogando até onde eu aguentar. Voltar para o Brasil só no futuro, e não na carreira esportiva, talvez em outra área. Mas por enquanto, vamos fincando raízes na Arábia. O mercado lá é muito bom, as condições são boas, estamos felizes. Mas ainda não tenho nada concreto.”



O começo em Cambé


E toda essa carreira consolidada, pioneira e de sucesso se deu graças ao Cambé Vôlei, oportunizado pela Prefeitura através da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer. Daiane faz questão de lembrar que além dos primeiros passos no município, foi o técnico do projeto, Reginaldo Mazzola, que deu o primeiro tênis para ela.


“Na verdade, eles tinham uma situação mais carente de vida, e chegou um momento que o tênis não estava adequado para o esporte, para as competições que tínhamos pela frente. Então, foi um momento que conseguíamos ajudar com um tênis e é uma coisa que marca. São poucas as vezes, poucas as meninas que tem a oportunidade de crescer na vida, seja no esporte ou em outra área, e voltam aqui e agradecem pela ajuda, pela contribuição. E a Daiane é uma dessas. Todo ano que vem para cá, dá uma passadinha aqui com a gente, bate uma bola com a meninada. E isso é importante também para reforçar o nosso trabalho com a criação de cada uma no contexto do voleibol, o valor que visamos aplicar”, disse Mazzola.


O técnico também disse que a atleta começou tarde no esporte, já com 13 anos de idade. Mas a partir do momento que ela chegou na quadra, deu para ver que era diferenciada, segundo ele. Em dois anos ela já estava em Marechal porque detectaram potencial de crescimento, e de lá alavancou jogando competições de nível estadual, nível nacional e logo na sequência estava no Botafogo. De acordo com Mazzola, nessa época, a oposta já tinha um potencial de salto para atacar a 3,20 m de altura, uma média de atleta de 1,90 m da Superliga, evidenciando seu potencial.


“E para nós do projeto é uma satisfação enorme poder acompanhar essas crianças desde os 8, 9 anos de idade, quando a maioria chega aqui, e ver que algumas têm a oportunidade de ir além dos muros de Cambé. É uma gratificação muito grande poder, depois de alguns anos, perceber que essas meninas tiveram a oportunidade de jogar fora, e no caso da Daiane, uma competição inédita no país. É algo assim que fica na história tanto dela, como do voleibol do mundo inteiro. É uma filha de Cambé podendo escrever uma página importante e diferenciada em uma cultura que a gente sabe que é muito diferente da nossa. Aos poucos, eles vem abrindo as portas para o público feminino, construindo o esporte feminino dentro do país. É muito gratificante acompanhar tudo isso”, concluiu o treinador.