Agricultura

Congresso de saúde coletiva defende política de redução de agrotóxicos

31 jul 2018 às 09:40

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) lançou, durante a 12ª edição do congresso da entidade, um dossiê atualizado sobre o uso de agrotóxicos no país.

Denominado Dossiê Científico e Técnico contra o Projeto de Lei do Veneno (PL 6.299/2002) e a favor da proposta que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara), o documento foi produzido pela Abrasco e pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), em meio às discussões sobre o projeto aprovado na comissão especial da Câmara dos Deputados no dia 26 de junho.

De acordo com o vice-presidente da ABA, Paulo Petersen, o dossiê reúne documentos relacionados aos dois projetos. “Compilamos um conjunto de manifestações de instituições acadêmicas e públicas, da sociedade civil e internacionais, como a ONU, e fizemos um comentário geral. Ele referenda, a partir de organizações científicas, manifestações científicas, mas que estão influenciando a arena política”.

Conforme Paulo Petersen, o chamado PL do Agrotóxico muda a legislação anterior, de 1989, tirando as possibilidades de regulação pública na área de liberação de novos produtos e na identificação e comunicação, “de modo a tornar ainda mais oculto os efeitos dos agrotóxicos sobre a saúde coletiva e sobre o meio ambiente”.

Pelo projeto, a liberação de novos agrotóxicos deixaria de passar pela Anvisa, Ministério da Saúde e Ibama, que avaliam os riscos à saúde ambiental e à saúde pública, e passaria a ter uma predominância do Ministério da Agricultura, que tem uma perspectiva muito mais econômica. Também substitui o termo “agrotóxico” por “pesticida” ou “defensivos agrícolas”.

“O princípio da precaução, que deve prevalecer no uso do conhecimento científico para liberação de produtos e certas tecnologias sobre a natureza, vai sendo comprometido. Na verdade, é um grande desmonte da uma legislação anterior que está funcionando e é uma referência internacional. O discurso de que estamos modernizando, desburocratizando, vai na contramão de toda uma discussão na sociedade, na academia e no mundo”.

O dossiê contém manifestações contrárias à flexibilização no uso dos agrotóxicos de instituições como o Instituto Nacional do Câncer (Inca), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).

Pesquisador da Abrasco e professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, Marcelo Firpo afirmou que a discussão deve ser feita em torno do que é realmente relevante para o país.

“Sem dúvida, o progresso econômico, o desenvolvimento da economia, o pagamento das dívidas públicas e a redução do déficit da balança comercial são relevantes. Mas qual é o preço disso diante da morte e da doença de crianças, jovens, adultos, velhos e trabalhadores, que morrem em função de substâncias perigosa?”, questionou Firpo.

Segundo ele, as mudanças propostas na regulamentação dos agrotóxicos representam um retrocesso no processo civilizatório, na garantia da saúde e da vida dos cidadãos. “É preciso esclarecer a sociedade o valor e os efeitos para a vida das pessoas, das famílias e para o sistema de saúde em decorrência do uso excessivo e que tornou o Brasil o maior consumidor mundial de agrotóxicos”, acrescentou.

A favor dos agrotóxicos

Entidades favoráveis à maior flexibilização para os agrotóxicos no país chamam o projeto de “Lei do Alimento mais Seguro”. O Sindicato Nacional da Indústria de produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) e a Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF) divulgaram nota em que contestam a informação de que o Brasil seria o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.

De acordo com dados da FAO e da consultoria Phillips McDougall, o Brasil é o 13º país em uso defensivo agrícola por quantidade de produto agrícola produzido. Itália, França, Espanha, Alemanha, Inglaterra, Polônia, Japão, Coreia, Austrália, Canadá, Argentina e Estados Unidos se utilizam demais defensivos que o Brasil.

Segundo essas entidades, o “Brasil – um dos maiores produtores agrícolas mundiais – consegue fazer uso racional de defensivos agrícolas e produzir muito mais usando uma quantidade menor de defensivos que países considerados de primeiro mundo, mesmo em condições climáticas que favorecem a incidência de pragas e tendo múltiplas safras ao longo do ano, o que não acontece em países de clima temperado”.

Sobre o PL 6.299, a nota diz que a alteração “não exclui o rigor científico e a transparência no processo de registros, que são essenciais para segurança e desenvolvimento da indústria nacional”. Afirma ainda que “modernizar a legislação não significa flexibilizar ou facilitar o registro de defensivos agrícolas, mas sim incluir critérios objetivos na avaliação, respeitando metodologias científicas, que assegurem a competitividade da agricultura brasileira”.

Nota Técnica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento revela que, “muitas vezes”, o debate sobre o uso de substâncias químicas “têm pouco embasamento científico”. “A filosofia de risco zero não é adequada, pois mesmo uma substância que aparentemente seja segura, como a água, quando consumida em quantidade exagerada pode levar a risco de vida”, diz a nota do Ministério.

“Nesse sentido, os pesticidas são ferramentas essenciais à produção agrícola brasileira e à manutenção do seu alto nível produtivo. A necessidade do uso dessas ferramentas torna ainda mais evidente sua utilização de forma correta, segundo as orientações estabelecidas por ocasião do registro do produto, no sentido de minimizar possíveis riscos de sua utilização”, defende a pasta. Conforme o ministério, as mudanças são para modernizar os termos e procedimentos, incluindo o aumento das multas, de R$ 19 mil reais para até R$ 2 milhões, no caso de não cumprimento da legislação.

Segundo os dados preliminares do Censo Agropecuário 2017, divulgado quinta-feira (26) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1.681.001 produtores rurais utilizaram agrotóxicos no ano passado, representando um aumento de 20,4% em relação a 2006.

O 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão 2018, termina amanhã (29), no campus de Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

EBC