Agricultura

Dados preocupantes do uso dos agrotóxicos

06 ago 2018 às 09:41

No último relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), publicado em novembro de 2016, foram detectados mais de 30 exemplos de resíduos de agrotóxicos não autorizados em 26 tipos de alimentos produzidos no Brasil. Em outra publicação, “Geografia do uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” (2017), a geógrafa da USP e professora dra. Larissa Bombardi traz dados preocupantes sobre o uso de agrotóxicos no Brasil, que permite a aplicação de vários produtos proibidos na Europa, assim como valores mais altos em termos de presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos e águas. Para se ter uma ideia, enquanto a Europa discute a proibição do glifosato e permite uma quantidade mínima de resíduos deste produto nas águas, no Brasil e no Paraná esse herbicida é o agrotóxico mais utilizado e em número cinco mil vezes maior que na Europa.


Os dados foram apurados pela geógrafa Raquel Meira, pesquisadora e bolsista do CNPq na Unioeste de Francisco Beltrão que tem acompanhado questões relacionadas à produção agroecológica na região Sudoeste. Segundo ela, ainda temos muitos desafios, pois estamos cada vez mais condicionados a consumir produtos industrializados, cedemos às facilidades e não priorizamos a qualidade. “Infelizmente, há um comodismo e uma falta de preocupação com o que estamos comendo. O preço dos produtos também é um aspecto importante, pois aqueles que possuem menos dinheiro, certamente irão comer produtos de pior qualidade. No entanto, é preciso mudar esse cenário. Hoje, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e ainda temos propostas de leis que pretendem aumentar a permissão para uso de agrotóxicos e transgênicos”, alerta Raquel.

Um olhar diferente
Para falar sobre o futuro da produção e o consumo de alimentos mais saudáveis, a pesquisadora sugere olharmos para diferentes realidades. Atualmente, os dados mostram um aumento no consumo de orgânicos, mas quem são esses consumidores? “A grande maioria são consumidores de classe média e alta, falando de Brasil, e esses produtos não estão nas feiras, que são mais acessíveis a todos. Eles estão nas prateleiras dos super e hipermercados. Estamos produzindo alimentos saudáveis para exportação, enquanto nossa alimentação é industrializada e cheia de veneno. É isso que queremos? O que é bom está indo para fora, por quê? Isso nos faz acreditar que é preciso olhar para a produção local”, destaca.

“Hoje, agronegócio não produz mais alimento, produz mercadoria”
É a opinião da agrônoma Janete Rosane Fabro, que atua na assistência técnica da Assesoar, em Francisco Beltrão. Janete é esposa de Sérgio Kaupka, produtor, e também defende a produção agroecológica. “Se pensar em termos de agricultura, nos seus princípios, ela é agroecológica, é recente a utilização de agrotóxicos, iniciou na nossa região na década de 70, antes disso não tínhamos. Sempre trabalhei na perspectiva de fortalecer pesquisas que gerassem autonomia para as famílias de agricultores”, afirma.


Janete diz que o agricultor precisa voltar a observar a natureza, olhar para a sua terra e entender o que causa desequilíbrio, o que acontece com o clima, se tem excesso de chuva, se está cedo ou tem muito vento. “Não é simplesmente deixar alguém vir de fora e aplicar produtos químicos. As famílias perderam a capacidade de observar e entender o que está acontecendo na sua terra. É mais cômodo ter um técnico que vem e diz o que você precisa aplicar. Isso impacta na renda que essa cultura vai gerar; quando está aplicando várias vezes sem necessidade, tem aumento no custo de produção, diminui a margem de lucro e ainda causa sérios impactos para a natureza”, justifica a agrônoma.


Na visão da profissional, existe um apelo por “alimentos limpos”, e não somente para a saúde das pessoas, mas para o meio ambiente. “Percebemos na juventude consciente e preocupada com essa situação, como você percebe pessoas em meia idade, idosos, que não querem sofrer com doenças degenerativas, com câncer e outras tantas. Hoje, agricultores convencionais fazem misturas de agrotóxicos e, quando é aplicado junto, tem reação química, é uma alquimia, não se sabe o que isso pode causar, quais novas substâncias isso pode gerar”, preocupa-se Janete.


Para a pesquisadora Raquel Meira, a redução do uso de agrotóxicos só irá ocorrer quando existir, principalmente por parte dos consumidores, um significativo aumento na procura por alimentos que possuam selo de certificação orgânica e que estes se informem e se manifestem sobre o problema dos agrotóxicos, que, além de estarem em quase todos os alimentos que consumimos, fazem parte da água que bebemos e têm significativa influência em várias doenças e problemas de saúde. “Conforme informação do médico Arn Migowski, especialista do Inca [Instituto Nacional de Câncer], o ‘agrotóxico é uma potencial causa de câncer de mama, embora as evidências ainda não sejam suficientemente conclusivas. Por isso, é melhor evitar a exposição sempre que possível, já que existem outras alternativas para controle de pragas no campo’.


A recomendação do Inca é a redução gradativa e sustentável do uso de agrotóxicos e o uso de modelos de cultivo agroecológico”, completa a pesquisadora Raquel Meira.

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