Eles estão por toda parte. No solo, nas águas dos rios e mares, no ninho do pombo, no lombo da capivara, na lavoura de feijão. E, sim, no seu travesseiro. Agora, também estão na publicação Taxonomic Catalog of the Brazilian Fauna: The Brazilian Acarofauna (Arachnida: Holothyrida, Ixodida, Mesostigmata, Opilioacarida, Sarcoptiformes, and Trombidiformes), primeiro catálogo científico dedicado às espécies de ácaros e carrapatos encontradas no Brasil – traduzido como A Acarofauna Brasileira. A obra, lançada mundialmente na revista científica Zoology, reúne dados de 3.678 espécies.
Animais artrópodes, ácaros e carrapatos pertencem à classe Arachnida, como a aranha e o escorpião. Dividem-se em seis ordens (cinco de ácaros e uma de carrapato) e, no Brasil, estão distribuídos em 273 famílias – todas contempladas no catálogo. Professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, Fernando de Castro Jacinavicius ficou encarregado da produção do projeto, em parceria com o curador da coleção de ácaros do Instituto Butantan, Ricardo Bassini-Silva, e os pesquisadores Michel Valim, da Universidade Iguaçu (Unig), e Leopoldo Ferreira de Oliveira Bernardi, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sua realização foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Segundo Jacinavicius, a obra deriva de um trabalho desenvolvido nos últimos três anos e traz dados compilados ao longo de uma década, por 50 cientistas brasileiros e de outras nacionalidades – todos taxonomistas especializados em ácaros e carrapatos. Segundo o professor, o projeto reuniu esforços sobre o conhecimento da acarofauna brasileira. “Temos muitos especialistas, conseguimos juntar informações de ocorrência em todos os Estados brasileiros. Antes, ninguém tinha noção da dimensão que a acarofauna representava, porque cada um focava apenas no seu grupo de trabalho.”
O conteúdo reunido no novo compêndio inclui não apenas espécies nativas do país, mas também animais introduzidos no território brasileiro. Na visão do professor, o resultado é um dos mais completos do mundo sobre o tema. “Conseguimos ter um parâmetro para tomada de medidas públicas baseadas no catálogo. Até então, não havia uma base sólida. Temos grupos de animais que são pragas quarentenárias de plantas. Será que estão adentrando no país? O catálogo está servindo de base de consulta para o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e outras agências do governo”, relata.
A publicação reúne verbetes de famílias, superfamílias e sub-ordens desses aracnídeos, nos quais estão disponibilizadas informações como a quantidade de espécies de determinada família no Brasil, quais são os outros países onde elas são encontradas e em que tipo de ambientes vivem. Cada tópico traz também referências sobre autores com publicações sobre o assunto tratado e apresenta uma descrição detalhada dos animais. Por fim, o catálogo traz gráficos, nos quais é possível visualizar, por exemplo, o quanto a acarofauna brasileira de uma determinada espécie representa no mundo. “No mundo todo, são conhecidas 55 mil espécies, embora estima-se que esse número possa chegar a 1 milhão.”
Além do carrapato-estrela (Amblyomma sculptum), dos ácaros-de-poeira-doméstica, que vivem dentro das casas provocando alergias e asma, e da espécie Sarcoptes scabiei, causadora da sarna-sarcóptica, a compilação apresenta animais menos conhecidos, mas bastante estudados. É o caso dos ácaros fitófagos, considerados pragas agrícolas por se alimentarem de culturas de vegetais, como tomate e algodão. Animais menos conhecidos e que se diferenciam por suas ações benéficas – como ácaros de solo que fazem a ciclagem de nutrientes e espécies predadoras que se alimentam de outros ácaros – também estão lá.
“Nosso foco no Laboratório é exatamente reconhecer os vetores, ou seja, as espécies que são parasitas e potenciais transmissoras de patógenos. Temos algumas espécies de importância. Os carrapatos, por exemplo, são o segundo grupo de importância entre os vetores de doenças para humanos e o primeiro para animais silvestres e domésticos”, ressalta o docente. O ácaro-da-ave-tropical que no Brasil é encontrado em ninhos de pássaros e conhecido por picar humanos, e o carrapato-estrela (Amblyomma sculptum), encontrado na região de Campinas (SP), entre outras áreas, é conhecido por disseminar a febre maculosa, doença potencialmente fatal e de difícil detecção. Ambos são citados pelo organizador como dois destaques da lista.
Representante do Brasil na Sociedade Latino-Americana de Acarologia, o professor revela que a ideia de levantar todo o conhecimento produzido no Brasil para compilar em um catálogo partiu de cientistas que são referência no assunto no país e no mundo. Como a pesquisadora Darci Barros-Battesti, especialista em carrapatos que, após 25 anos de carreira no Instituto Butantan, atua como professora voluntária na Universidade Estadual Paulista (Unesp); e o professor Gilberto José de Moraes, especialista em ácaros de plantas cultivadas no território brasileiro e professor emérito da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), além de docente da Unesp em Jaboticabal (SP).
