Não são somente as manobras do balé, nas pontas dos pés, ou
os movimentos coordenados da dança contemporânea que tornam agitada a vida da
artista brasiliense Daniele Dias, de 19 anos. Ela é também professora de
crianças de diferentes idades, inclusive em projetos na periferia, e tem ainda
a vida universitária no curso de ciência política.
Com tanto para fazer, atua em salas e palcos com brilho nos
olhos, mas no ritmo da urgência. Não pode perder tempo. A jovem professora esperava
que, ao optar por comprar, em uma loja na internet, novas roupas para dançar,
como collants, malhas e calças de algodão, fosse ganhar tempo.
Ela gastou mais de R$ 350 em 20 peças e, depois, muito de
sua paciência ao não receber os produtos. Histórias como a dela, de decepção ao
fazer as compras de forma virtual, estão entre os principais desafios na defesa
dos direitos dessa área no Brasil e motiva campanhas de esclarecimento como as
que ocorrem no Dia do Consumidor, neste sábado (15).
“Primeiro, eles haviam me informado que estavam revisando a
entrega e depois um aviso de ‘processando’. Na sequência, não respondiam mais
os meus e-mails. Eu avisei que iria procurar meus direitos no Procon, que me
atendeu rapidamente”, relata a consumidora.
Mercado e problemas em crescimento
Não faltam motivos para atenção especial sobre o comércio
on-line. Segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm), o
faturamento previsto para o comércio eletrônico no Brasil em 2025 será de R$
224,7 bilhões, o que pode significar um aumento de 10% em relação ao ano
passado.
Outros dados que ajudam a entender a dinâmica desse comércio
foram revelados pelo último Relatório de Identidade Digital e Fraude da Serasa
Experian, divulgado no mês passado. Uma das informações é que diminuiu a
percepção dos consumidores de que as empresas adotariam medidas para protegê-los
contra fraudes. Essa sensação de segurança passou de 51% para 43%.
Ainda segundo o levantamento, 48% dos participantes da
pesquisa disseram que já haviam desistido alguma vez de uma compra por falta de
confiança no site ou aplicativo que oferecia produto ou serviço. Ainda assim, o
comércio eletrônico registrou um crescimento médio de 1,6 ponto percentual em
2024 na comparação com o ano anterior.
No caso da professora Daniele, depois de pedir a devolução
do dinheiro insistentemente por e-mail e não ser atendida inicialmente, ela
precisou separar outro tempo para procurar o Procon. Após 60 dias, ela teve o
dinheiro devolvido. Não desistiu de comprar on-line, mas passou a pesquisar
mais.
Veja as principais orientações do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec):
Segurança:
Escolha sites confiáveis: Procons divulgam anualmente uma
lista de sites que devem ser evitados pelo consumidor.
Confira a reputação da empresa: é importante buscar na própria internet
avaliações do comerciante
Ótima oferta ou cilada? Desconfie de qualquer oferta ‘boa
demais’ porque ela pode não ser verdade.
Calcule o preço com o frete: não adianta receber um bom
desconto se o frete é alto.
Direito de arrependimento garantido: confira o período que a
loja anuncia
Avaliações: verifique
os comentários e vá além apenas dos elogios (porque podem ser forjados)
Se for vítima de um golpe, faça as denúncias na polícia e
nos órgãos de defesa do consumidor (Procon da sua cidade e o site
consumidor.gov.br).
Preços:
Evite fazer compras no fim de semana (o "horário
nobre" da internet)
Preços dinâmicos: deslogue das contas nas redes sociais e
limpe o histórico e use navegador anônimo para encontrar preço justo
Mantenha os itens no carrinho de compra por alguns dias
antes de comprar: sistema de vendas pode incentivar a venda com cupons
Custos e prazos: quanto mais rápida a entrega, também mais
caro será o valor do frete
Problemas
O crescimento do comércio eletrônico se intensificou durante
e depois da pandemia, mas também cresceram os problemas relacionados a esse
tipo de negócio.
De acordo com o advogado Igor Marchetti, do Instituto de
Defesa do Consumidor (Idec), um dos problemas mais comuns é o que foi
enfrentado pela professora Daniele Dias, o
chamado “descumprimento de oferta”, que é a falta de entrega dos
produtos.
“Isso gera frustração no consumidor. Para você ter uma
ideia, no ano passado, a gente teve um terço das demandas relativas ao
descumprimento de oferta”, lamenta o advogado Igor Marchetti.
O especialista explica que houve um aumento também do número
de reclamações relativas a “vício do produto”, quando os produtos adquiridos
não cumprem com a finalidade esperada.
“Há um problema de logística e do frete dos produtos. O
frete, na verdade, não é só um preço a mais, mas é um custo. Muitas vezes, essa
cobrança do frete é usada para tirar uma vantagem econômica”.
O professor de direito Nauê Bernardo, do Centro
Universitário de Brasília, lamenta haver, nesse contexto, a repetição de um
problema grave. “Infelizmente, a gente tem muitos sites que se passam pelas
chamadas marketplaces oficiais e acabam induzindo consumidores ao erro”,
explica.
Para identificar a chance de enrascadas, segundo os
pesquisadores, primeiramente é importante observar se o preço daquele produto
não está muito diferente de outros locais.
“Se o preço estiver muito abaixo daquilo que normalmente é
praticado no mercado,é porque alguma coisa está errada. Em segundo lugar, é
preciso também entender qual é a confiabilidade daquela pessoa ou empresa que
faz o anúncio”, diz o professor.
Por isso, é importante, segundo os pesquisadores, procurar
pelo nome dos vendedores em buscadores digitais.
Em caso da identificação de uma fraude, o cidadão deve
informar a prestadora de cartão de crédito para que aquela compra seja
efetivamente cancelada. O melhor é a prevenção, ainda que as enrascadas on-line
tenham se sofisticado bastante.
Vulnerabilidades
Igor Marchetti diz que o prazo estipulado tem que ser
cumprido e o consumidor deve reclamar quando não for respeitado.
“O consumidor não pode, de forma alguma, ser prejudicado
nesse cumprimento ou ter uma flexibilização nesse sentido”.
Para Marchetti, o público idoso é o público mais vulnerável
na relação comercial.
O advogado chama atenção para pessoas em vulnerabilidade e
com menos acesso à informação.
“Esse acesso à internet não é igual para todos. O acesso,
muitas vezes, para as pessoas mais pobres, é um acesso contado. O Idec
disponibiliza informações sobre direitos”.
Ele defende campanhas sobre direitos do consumidor desde a
escola.
O fato de grande parcela da população ter pouco ou nenhum
acesso aos mecanismos de educação digital é elencado pelo professor de direito
Nauê Bernardo, do Centro Universitário de Brasília, um obstáculo para a
garantia dos direitos.
“Associando isso ao autêntico faroeste digital que nós temos
no Brasil em relação aos nossos dados pessoais, há um cenário muito próprio
para esse tipo de fraude”, diz o professor.
Busca por direitos
No caminho da busca dos direitos, o especialista indica que
é necessário documentar a reclamação. Um caminho que ele aponta é verificar na
plataforma consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça. Nesse percurso, a
reclamação do Procon também é importante.
“Se não for resolvido extrajudicialmente, mesmo dessa forma,
cabe ingressar com uma ação judicial”. Para ações com valor de até 20 salários
mínimos, a pessoa pode ingressar no Juizado Especial Cível. Não é obrigatória a
presença do advogado.
O especialista entende que o Código de Defesa do Consumidor
brasileiro é uma legislação bastante moderna.
“O código é um tesouro nosso. A gente não pode de forma
alguma, sob o pretexto de que precisamos modernizar a lei, flexibilizar
direitos. É isso que muitas vezes está por trás do discurso de modernização”.