Enquanto a maioria dos setores segue a tradicional trajetória onde recém-formados competem por vagas de entrada, o mercado de tecnologia opera na direção oposta: são as empresas que disputam entre si os estudantes ainda nos primeiros anos de faculdade.
"O aluno capacitado, já no primeiro ou segundo ano de curso, está empregado. É muito raro chegar ao final da graduação sem estar trabalhando na área", revela Roberto Nishimura, coordenador da ABRATIC (Associação Brasileira de Tecnologia, Inovação e Comunicação).
Essa realidade, impulsionada pelo deficit de 200 mil profissionais no setor previsto para 2025 segundo a Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), impacta não apenas as estratégias de recrutamento, mas todo o modelo de formação profissional.
Formando talentos sob medida
A Brid Soluções, empresa especializada em Business Intelligence (BI) sediada em Londrina (PR) que emprega cerca de 80 colaboradores, identificou esse movimento há quase uma década quando criou a Academia Brid. "Não encontrávamos no mercado profissionais capacitados em BI, uma disciplina que até então não fazia parte da grade curricular de muitas instituições", explica Victor Hugo Martins, sócio da empresa.
O que começou como aulas aos sábados para complementar o currículo universitário evoluiu para um programa estruturado onde estudantes são selecionados diretamente nas faculdades de tecnologia e começam como estagiários, com caminho claro para efetivação.
"Não faz sentido esperar quatro anos para contratar um profissional formado que provavelmente já estará empregado. Preferimos identificar potencial cedo e investir no desenvolvimento alinhado às nossas necessidades específicas", detalha Sthefany Makita, gerente de RH da Brid.
Carreiras aceleradas
A inversão na lógica tradicional do primeiro emprego também está acelerando trajetórias profissionais. Jéssica Tesser, formada em Ciências da Computação, começou na Brid ainda em 2018, quando cursava os últimos anos de faculdade.
"Na universidade, aprendemos os fundamentos. Na academia corporativa, fui exposta diretamente às ferramentas e desafios reais dos clientes", conta Jéssica, que após apenas dois meses de treinamento específico já atuava como trainee em projetos de impacto.
Mais surpreendente ainda é o caso de Jair Carrion, contratado durante o quarto ano de Ciências da Computação. Em apenas cinco anos, sua familiaridade com as demandas do mercado o levou a identificar uma oportunidade de negócio e propor a criação da Zyon, startup focada em dados estratégicos para o agronegócio, da qual se tornou sócio.
"Vemos regularmente estudantes que, por entrarem no mercado tão cedo, conquistam posições de liderança ainda na casa dos 20 anos, algo praticamente impensável em outros setores mais tradicionais," atesta Nishimura, coordenador da ABRATIC.
Universidades acompanham o ritmo do mercado
As instituições de ensino estão cientes dessa nova dinâmica e buscam adaptar-se. "Mantemos uma Incubadora de Startup, parcerias com mais de 20 big techs e relacionamento com mais de 50 empresas que participam da nossa Semana Tecnológica", revela o professor Sergio Tanaka, coordenador de cursos de Computação, na Unifil Londrina.
Segundo Tanaka, cuja instituição forma anualmente cerca de 100 alunos em diversas áreas tecnológicas, a colaboração com o setor privado tornou-se essencial: "A Academia Brid é um exemplo a ser seguido, uma ação proativa para qualificar jovens universitários e integrá-los ao mundo corporativo. A demanda por profissionais existe, são muitas oportunidades. Quanto mais as empresas buscarem essa integração com as universidades, maior será a possibilidade de receberem talentos já familiarizados aos processos, linguagens e sistemas específicos às suas áreas de negócios", destaca o coordenador.
Para os estudantes interessados em tecnologia, a mensagem é clara: não esperem a formatura para buscar oportunidades – as empresas já estão de olho em você muito antes disso.