Habitação

Os olhos preocupados do mundo se voltaram novamente para a economia

05 jul 2019 às 11:46

chinesa há três meses, quando o premiê do gigante asiático, Li Keqiang, disse que o governo espera ter um crescimento de no máximo 6,5% em 2019. Se confirmada, seria a menor taxa anual após duas quedas de ascensão econômica.

A expectativa de desaceleração sugere que algumas tendências  previstas há algum tempo estão dando suas caras apenas agora na China e, mais fundamentalmente, indica que o país está preocupado com o futuro da sua economia "híbrida" de capitalismo estatal.

Em relação às tendências, os especialistas apontam, em primeiro  lugar, o fim da "política de um filho" há alguns anos, que levou a China a ver um crescimento de cidadãos idosos e desempregados e, por consequência, travou o crescimento. O modelo de exportação chinês também chegou ao seu limite natural: "Quando você é uma  economia pequena em desenvolvimento, as exportações podem gerar um grande crescimento. Mas agora que a China é a maior exportadora do mundo, a velocidade com que ela pode crescer é muito mais restrita pela velocidade com que o mundo cresce", disse o economista  Bruno Lins, da Universidade de Genebra, na Suíça. 

"O mundo não está crescendo de forma rápida neste momento, o  que é outra tendência que estava por acontecer de alguma forma", completou.

Os economistas também questionam se ainda faz sentido chamar  a China de "economia em desenvolvimento". Por um lado a produção chinesa de quase US$ 17 mil dólares por pessoa (valor ajustado para a paridade do poder de compra) permanece relativamente baixa se comparada com a dos Estados Unidos (US$ 59 mil dólares por  pessoa) e mesmo com a do México. Por outro, sugerir que a China é menos desenvolvida do que o país latino-americano é loucura: o gigante asiático tem metrópoles hiper-modernas, tecnologia avançada, sistemas de transporte público inovadores e uma grande classe  média.

Dois terços da população chinesa vivem hoje em áreas urbanas,  e cerca de um terço dela tem curso universitário - números próximos aos de nações desenvolvidas. Para Lins, o correto é dizer que a China "permanece uma economia em transição".

Muitos países considerados economicamente "avançados" passaram  pela mesma fase, explica a cientista política Thaís Rodrigues, da Science Po, de Paris: eles mudaram de economias exportadoras para apostar no consumo interno, transformaram-se em economias de serviços ao invés de manufaturas e deixaram de ter produções de  baixa qualificação para criar cada vez mais valor agregado aos seus produtos. "Quase todos os países que tiveram essa transição viram suas economias sofrerem desacelerações. É a maneira como essas coisas funcionam. A esperança, é claro, é que se troque a lentidão  por uma qualidade superior das mercadorias", afirmou.

Para ela, administrar essa transição é a grande questão atual  para a economia de Estado da China. Dois terços da produção chinesa, e a maioria dos novos empregos, são oriundos do setor privado, mas ainda há um terço que é controlado pelo Estado - e ele permanece influenciado de muitas formas pelo modelo de planificação  central (planejamento  tributário, produtivo etc.) que foi usado no século  20 pela União Soviética e por Cuba.

Os teóricos ocidentais dizem que isso é ruim porque os governos  não podem alocar recursos como quiserem, assim como o mercado: as pessoas acabam colocadas em formas improdutivas de trabalho, e os investimentos reais são desperdiçados em muitas coisas que não contribuem para a criação de riqueza em longo prazo. 

Quando a China iniciou seu crescimento, no final dos anos 1970,  outras partes do mundo já tinham feito o trabalho árduo de inovar as tecnologias modernas e incrementar o padrão de vida. O gigante asiático precisou apenas tirar vantagem de todo oknow-howque já existia - as políticas forçadas de transferência  de tecnologia do país e a falta de respeito aos direitos de propriedade intelectual geraram críticas do Ocidente, mas eles também desempenharam um papel-chave na velocidade do crescimento chinês.

Se o crescimento acelerado é algo que o planejamento econômico  de cima para baixo pode administrar sem muitas dificuldades, agora a China enfrenta as mesmas dificuldades dos países avançados: qual inovação vem a seguir? A questão ronda o país também pelo seu modelo político de partido único. Há muitas empresas médias  e regionais que têm ligações com os magnatas de negócios e os funcionários do Partido Comunista, mas mantê-los na linha foi o grande incentivo para o programa anticorrupção iniciado recentemente no país.

Observadores ocidentais estão pressionando a China a continuar  adotando o modelo de mercado, enquanto o governo, se algumas vezes parece concordar, dificilmente o põe em prática. Neste momento, o país parece mais disposto a tentar incentivar o crescimento da infraestrutura ou criar uma nova onda de crédito para expandir  seu crescimento econômico. Os críticos dizem que essas estratégias vão acabar inflacionando um país que já convive com uma dívida corporativa imensa - arriscando até mesmo uma crise. Mas isso gera mal-entendidos sobre a natureza do modelo da China.

A maioria dos bancos chineses é estatal e limitada pelo poder  do governo de criar o tanto de moeda que bem entender. "Não vai haver uma onda de colapsos financeiros dirigidos pelas dívidas não pagas. O perigo real é simplesmente enviar o crédito para o lugar errado, deslocando recursos e continuando o declínio do crescimento.  Obrigar as empresas com tantas dívidas, quando elas poderiam investir o dinheiro, também não ajudaria", explicou Lins.

Outra coisa que a China poderia fazer, segundo Rodrigues, é  tentar aumentar sua base de consumo doméstico. As taxas oficiais de pobreza caíram lentamente, mas a porção da população que está apenas acima da linha da pobreza ainda é muito grande. A desigualdade é também enorme. "Ao expandir e pavimentar os caminhos existentes  em seu estado de bem-estar social, a China poderia reduzir essa desigualdade e ainda expandir a renda das classes mais baixas. Isso estimularia o crescimento via apoio direto do consumo ao invés de o Estado prover crédito, deixando mais espaço para o mercado  decidir o que fazer com a demanda", finaliza.



Alice Bachiega

Estagiária em Link Building