A Embrapa Clima Temperado (RS), em parceria com a empresa Partamon, conseguiu o registro de uma vespa nativa capaz de parasitar as principais espécies de mosca-das-frutas de importância econômica que afetam a fruticultura no Brasil. O parasitoide, denominado Doryctobracon areolatus, recebeu Especificação de Referência (ER 54) – veja mais detalhes em quadro ao final desta matéria – como produto fitossanitário junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Resultado de mais de 12 anos de pesquisa, essa conquista abre portas para que empresas interessadas busquem o registro para uso do parasitoide em sistemas de produção orgânicos e convencionais, em todo o País. A tecnologia ajuda a consolidar cada vez mais o controle biológico no contexto nacional.
As recomendações, por enquanto, envolvem indicações e informações de uso, como níveis esperados de controle (parasitismo), quantidade a ser liberada por área e forma de disponibilização para a venda.
Segundo o pesquisador Dori Nava, um dos responsáveis pelo trabalho, cerca de 90% da tecnologia está pronta, mas os estudos seguem em andamento para qualificação das orientações.
As formas de liberação e a adequação aos sistemas de produção, por exemplo, ainda necessitam ser validadas em escala comercial. “O que nós precisamos agora é ajustar alguns desses pontos para maximizar a liberação do parasitoide”, explica. Por ora, essas definições estão sendo baseadas em pesquisas realizadas com um parasitoide similar comercializado no México.
Outro ponto em que as pesquisas ainda seguem é na associação do uso do controle biológico a outros métodos de controle, levando em conta, por exemplo, a seletividade de produtos químicos ao parasitoide, de maneira a eliminar as moscas mas não as vespas. “A ideia do uso do parasitoide é incorporá-lo dentro de um programa de Manejo Integrado de Pragas (MIP)”, completa.
Disponibilização ao setor produtivo
A Partamon, startup de base tecnológica incubada junto à incubadora Conectar, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), participou do desenvolvimento da tecnologia e estabeleceu um sistema de produção eficiente e sustentável. Atualmente, busca parcerias para multiplicação em grande escala das vespas, para que o novo produto possa atender ao setor produtivo de frutas no Brasil.
Para a pesquisa, essa parceria público-privada é importante para, além da etapa de desenvolvimento, ajudar na viabilização da produção comercial dos parasitoides. “Nos dias atuais, a função da Embrapa não é só fazer pesquisa. É desenvolver a tecnologia e fomentar que alguém produza para que ela possa ser disponibilizada no mercado”, acrescenta Nava.
O contrato de cooperação-técnica entre a Embrapa e a Partamon teve início em 2018, tendo sido renovado em 2023 por mais dois anos, até 2025. Os sócios Sandro Daniel Nornberg e Rafael da Silva Gonçalves já haviam realizado pesquisas básicas sobre o parasitoide como bolsistas da Embrapa, durante pós-graduação em Fitossanidade, na área de entomologia, pela UFPel.
O objetivo da parceria na condição de empresa foi unir esforços para obtenção de informações específicas que faltavam para que o parasitoide pudesse ser registrado junto ao Mapa e, assim, tornar-se um produto comercial. A Partamon ficou responsável pelos testes de campo para detalhar o processo e subsidiar as recomendações técnicas publicadas na ER. “É como se fosse uma bula técnica”, explica Nornberg.
Essa parceria ainda viabilizou que a Embrapa e a Partamon captassem recursos para a realização das pesquisas, por meio da proposição e aprovação de dois projetos – um de cerca de 300 mil reais e outro de 200 mil reais para contratação de bolsistas. Os recursos, tanto financeiros quanto humanos, foram parcialmente revertidos ao laboratório da Embrapa para a realização do trabalho. “Criar insetos demanda bastante mão de obra qualificada”, acrescenta.
Vespa é capaz de parasitar 40% das larvas de moscas-das frutas
Classificada como inseticida biológico, a vespa apresentou uma taxa de parasitismo de 40% das larvas das moscas-das-frutas nas áreas analisadas. Os estudos realizados em pomar experimental recomendam a liberação de 10 mil parasitoides por hectare. Em áreas maiores, o comportamento tende a mudar e a expectativa é que esse número ainda diminua pela metade nos pomares comerciais.
Por ser nativo de uma ampla área, o parasitoide tende a estar adaptado e, portanto, pode ser liberado em praticamente qualquer região do País. O pesquisador explica que a comercialização pode ocorrer para controle da mosca-das-frutas em vários estados, incluindo diversas espécies de frutíferas: mangueiras, no Nordeste; laranjais, em São Paulo; e macieiras e pessegueiros, no Rio Grande do Sul, por exemplo.
Liberação sem riscos para o meio ambiente
De acordo com Nava, não há riscos de a liberação desses parasitoides na natureza causar desequilíbrios. “Quando o parasitoide ultrapassa a curva de crescimento da praga, a população de ambos cai porque o parasitoide depende do hospedeiro para sobreviver”, afirma.
Também não há possibilidade de danos à flora local, porque as vespas são entomófagas e não fitófagas – ou seja, se alimentam de néctar e de larvas de espécies de moscas-das-frutas e não de plantas. Além disso, o foco do parasitismo é apenas duas famílias de moscas (Tephritidae e Lonchaeidae), o que não coloca em risco outros insetos.
Da mesma forma, as vespas não afetam ou competem com outros parasitoides nativos similares, que também se alimentam de moscas, porque cada um tem alvo de parasitismo diferente – atacam fases (estádios) diferentes do hospedeiro. “Não tem por que se preocupar”, tranquiliza o pesquisador.
Impacto da mosca-das-frutas
Os danos causados pela mosca-das-frutas ocorrem, principalmente, pela destruição da polpa pelas larvas, o que inviabiliza a utilização das frutas para consumo in natura ou para industrialização. Além disso, os ferimentos causados durante a postura dos ovos (oviposição) também favorecem a entrada de fungos que causam podridões.
O controle biológico com uso de parasitoides entra como uma importante alternativa, uma vez que muitas frutas não têm ou possuem grade restrita de produtos registrados junto ao Mapa para o controle da mosca-das-frutas. O uso de produtos biológicos também atende a uma demanda dos consumidores, que buscam produtos cada vez mais livres de inseticidas químicos.
A mosca-das-frutas sul-americana (Anastrepha fraterculus), em especial, tem ampla distribuição no território nacional, com mais de 150 espécies hospedeiras, sendo considerada praga-chave. Nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, é a espécie predominante, representando 95% das Anastrepha capturadas em armadilhas nos pomares.
Dados de 2015 apontam prejuízos anuais de produção e comercialização, somados a custos de controle, em torno de 180 milhões de reais na fruticultura brasileira em função das moscas-das-frutas de forma geral.