Ao menos 100 mil pessoas se concentraram em frente à Casa Branca no sábado, 6, em Washington, para o maior ato de protesto contra o assassinato de um homem negro por um policial branco, ocorrido no final do mês passado nos Estados Unidos. Apesar das contínuas ameaças do presidente Donald Trump de usar as Forças Armadas para coibir manifestantes, as forças de segurança estavam reduzidas na capital americana.
No décimo segundo dia de manifestações, os protestos aconteceram em diversas cidades americanas. Segundo organizadores, ao menos um milhão de pessoas se reuniram em Washington, Nova York, Atlanta, Houston, Los Angeles, Minneapolis, Nova Orleans em manifestações quase sempre pacíficas.
Os EUA vivem há quase duas semanas protestos espalhados por mais de 140 cidades que pedem o fim do racismo sistêmico no tratamento dispensado pela polícia aos americanos negros. O estopim da agitação civil foi a morte do ex-segurança George Floyd, um homem negro de 46 anos, após um policial branco segurar seu pescoço com o joelho contra o chão.
Mais de 12 dias depois, a pauta dos protestos se mantém fiel à levada às ruas desde a morte de Floyd: justiça, responsabilização dos envolvidos e fim do racismo dentro da polícia. As pessoas negras são 13% da população americana, mas mais de 30% dos mortos pela polícia.
Cada dia mais os protestos se tornam também contra Donald Trump. "Hoje nós protestamos, amanhã nós votamos", diz um dos motes visto com frequência nas faixas de manifestantes em frente à Casa Branca.
Nos pronunciamentos feitos até agora, Trump não indicou como pretende abordar o problema do racismo na polícia e concentrou sua energia apenas na repressão aos manifestantes, a quem chegou a chamar de "bandidos".
A maior parte dos americanos apoia os protestos. Em uma pesquisa conduzida pela Monmouth University, que fica em New Jersey, 57% dos consultados afirmou que, independentemente das ações envolvidas, a raiva dos que vão às ruas protestar é completamente justificável, enquanto 21% acreditam que é parcialmente justificável e 18% afirmam que não é justificável.
A morte violenta de um cidadão negro nos EUA após abordagem feita por policiais brancos é uma história que vem se repetindo no país e já causou protestos similares.
Desta vez, um vídeo que deixa claro a brutalidade da ação e o pano de fundo social e econômico de um país em recessão e com mais de 100 mil mortos pelo coronavírus colaboraram para que a manifestação ganhasse ares históricos, comparada aos protestos de 1968, depois da morte de Martin Luther King.
Ainda não está claro, no entanto, o quanto os protestos podem ameaçar a reeleição de Trump ou beneficiar o candidato democrata à presidência, Joe Biden. O discurso de lei e de ordem de Trump tem apelo entre a base eleitoral do republicano, mas integrantes do próprio partido criticaram o uso de bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo para retirar manifestantes pacíficos da praça em frente à Casa Branca.
"Este é um daqueles raros momentos de incerteza em que é possível que o muro de apoio republicano a Trump finalmente desmorone. Ainda é improvável que isso aconteça, mas como já escrevi antes, se acontecer, acontecerá repentinamente", escreveu Lee Drutman, autor do livro Breaking the Two-Party Doom Loop: The Case for Multiparty Democracy in America, ao site FiveThirtyEight, que agrega análises e pesquisas políticas.
Os senadores republicanos enfrentam um desafio em novembro: manter a maioria da Casa. Conforme as críticas a Trump escalam fora do Congresso, o apoio ao presidente dentro do Senado entre os que disputam a reeleição pode ficar abalado, segundo Drutman. Do outro lado, Biden parece a aposta automática do eleitorado negro, mas não a figura capaz de capitalizar a força dos protestos.
Nas ruas, a imensa maioria das manifestações é formada por jovens. Durante as primárias democratas, foram os eleitores negros e mais velhos que preferiram Biden, enquanto a juventude votou em Bernie Sanders.
Savannah, que não quis dar o sobrenome, tem 18 anos e decidiu se registrar para votar na semana passada, depois de participar de protestos em Richmond, Virginia. Neste sábado, ela segurava um cartaz com a foto de Trump com a bíblia nas mãos em frente à igreja que tem sido ponto de encontro para manifestantes. Ao lado da foto do presidente, a palavra "racista" estava escrita várias vezes. Ela diz que Biden é "o menos pior" e diz que vai votar em novembro para retirar Trump da Casa Branca.
Ex-vice do governo Barack Obama, Biden herdou o capital político de pertencer ao primeiro governo de um presidente negro nos Estados Unidos e conta com apoio majoritário do eleitorado negro no país. A dificuldade do democrata é energizar os eleitores negros a votar no patamar que fizeram com Obama, o que poderia devolver aos democratas Estados-chave para vencer o Colégio Eleitoral. Como o voto não é obrigatório, muitos eleitores democratas não saíram de casa para votar em Hillary Clinton em 2017.
O típico democrata jovem tende a ser mais progressista e resistente aos nomes do establishment do partido. Uma pesquisa YouGov/HuffPost conduzida no ano passado apontou que, apesar da popularidade generalizada do governo Obama entre eleitores, 42% dos democratas entre 18 e 29 anos desejam que o próximo candidato seja mais progressista do que foi o presidente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.