Aos 35 anos, César Sanabria dá aulas de desenho no primeiro ano de arquitetura na Universidade de Buenos Aires (UBA), a melhor da Argentina. São quatro horas na segunda-feira e outras quatro na quinta-feira, de 19 horas às 23 horas. Como não ganha por isso, trabalha como segurança à noite e ajuda a administrar uma rádio.
Sanabria também passa algumas horas como camelô, nos fins de semana, vendendo artigos para celular. Na semana que vem, além das quatro atividades, começará a trabalhar como fiscal da prefeitura, de 8 horas às 14 horas, durante a semana. No fim do mês, juntando tudo, ele ganha 35 mil pesos (R$ 2.370), que o mantêm na classe média. Questionado pela reportagem do jornal O Estado de S. Paulo sobre por que insiste em dar aulas de maneira voluntária, tendo de acumular cinco empregos, ele é diplomático.
"Acho estranho não receber nada pelo trabalho de professor, mas encaro como voluntariado, uma forma de pagar o que recebi de graça. Isto me ajuda a formar uma rede de contatos e dá algum prestígio", diz César, nascido e criado na Villa 31, a mais antiga favela de Buenos Aires, com quase 90 anos.
A educação argentina ainda mantém um bom nível comparada aos vizinhos, mas perdeu a vantagem que tinha, avalia o professor Axel Rivas, diretor da escola de Educação da Universidade San Andrés. Nos anos 60, o país superava a todos em quantidade de anos na escola entre os maiores de 25 anos. Em 2010, foi ultrapassada pelo Chile.
Questionado sobre a diferença entre os governos de Cristina Kirchner e o de Mauricio Macri, Rivas diz que o modelo peronista investia mais, mas "rezava" para dar resultado. O governo atual fez o contrário: propôs grandes mudanças e cortou investimentos.
Em 2018, o investimento em educação foi o menor da década: 5,1% do PIB, sendo que a lei determina gastos de 6% do PIB. Deste montante, 70% foi para a educação universitária, em gastos com infraestrutura e salários. Mas, mesmo privilegiado na distribuição de recurso, o ensino superior dá sinal de recuos.
O último ranking da consultoria QS indicou que 63% das universidades pioraram de posição em relação ao ano anterior. O aumento da pobreza, que atinge 35,4% da população, segundo a Universidade Católica Argentina, é um dos fatores que afetam a qualidade da educação.
Segundo Manuel Álvarez Trongé, um dos maiores especialistas em educação do país, a pobreza afeta metade das crianças em idade escolar. Isso faz com que hoje 40% tenham problema de nutrição. Embora tenha havido evolução no ensino primário, metade dos estudantes não terminam o ensino médio.
Embora a Argentina ainda seja referência regional em termos de acesso universal e gratuito à educação, há diferença de aproveitamento escolar segundo a classe social. Entre os mais pobres, 90% não resolvem um problema simples e 60% não compreendem textos. "Nossos problemas são como um iceberg, em que a inflação está na ponta. Ainda há muitos escondidos. É claro que crise afeta a educação", afirma Álvarez. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.