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Confronto entre cocaleiros pró-Evo e policiais deixa 5 mortos na Bolívia

16 nov 2019 às 08:20

Violentos confrontos entre policiais e cocaleiros que tentavam chegar à cidade de Cochabamba para se manifestarem em favor do ex-presidente Evo Morales deixaram 5 mortos, 26 feridos e 169 detidos, segundo a Defensoria Pública. Militares e policiais tinham levantado um bloqueio na ponte Huayllani para evitar que os cocaleiros do Chapare, reduto de Evo, entrassem na cidade e, segundo as autoridades, os confrontos começaram quando os indígenas forçaram a passagem.

Os detalhes do confronto estavam incertos, mas o estudante universitário Emeterio Colque, de 23 anos, disse que as vítimas foram mortas a tiros, versão confirmada por outras testemunhas. O defensor Nelson Cox, da Defensoria do Povo de Cochabamba, pediu investigação para apurar responsabilidades. De acordo com o governo, dez pessoas morreram desde o início da crise, provocada pelas contestadas eleições de 20 de outubro. Os manifestantes pró-Evo falam em 20 mortos.

Ontem, 15, a Polícia Nacional reprimiu com bombas de gás uma manifestação pacífica de apoiadores de Evo no centro de La Paz. Centenas de partidários do ex-presidente se concentravam na Praça São Francisco à espera de um grupo de mineiros que vinha de El Alto, na região metropolitana da capital boliviana, para se juntar ao protesto contra o governo da autoproclamada presidente interina Jeanine Áñez por volta das 15h30 quando um grupo de policiais em motocicletas surgiu em uma rua lateral disparando bombas de gás lacrimogêneo.

Os disparos provocaram uma correria geral. Entre os manifestantes havia muitas mulheres de idade avançada. Enquanto corriam para o lado oposto ao das bombas, outro grupo de policiais atacou encurralando os manifestantes. A reportagem do Estado viu duas mulheres em trajes típicos pacenhos desmaiarem sob efeito do gás.

Desabastecimento

"No rio revolto está o lucro do pescador", praguejou o taxista Mario na manhã de ontem em La Paz. Ele acabara de receber uma chamada da central de táxi para a qual presta serviços informando que em um posto da Zona Sul a gasolina estava sendo vendida a B$ 10 o litro. O preço normal é B$ 3,74.

O desabastecimento de combustíveis é um dos sintomas mais visíveis para a população de La Paz da crise que se instalou no país andino desde que vieram à tona as suspeitas de fraude nas eleições de 20 de outubro. A maioria dos postos de combustível está fechada, cercada de tapumes de madeira e zinco para evitar depredações. Os poucos postos abertos têm filas quilométricas que demoram até duas horas. Isso fez florescer um mercado negro no qual a gasolina é vendida pelos olhos da cara. O esquema funciona em vielas estreitas nas quais homens desconfiados entregam os galões de combustível.

O motivo da falta de combustível em La Paz são os bloqueios em rodovias que dão acesso à capital boliviana feitos por apoiadores do ex-presidente na região do Altiplano.

Anteontem a YFPB, a estatal de combustíveis, comunicou oficialmente o risco de desabastecimento. Àquela altura mais da metade dos postos da cidade já estava fechada. Jeanine anunciou um plano conjunto entre os ministérios dos Hidrocarburetos, Defesa, Exército e Polícia Nacional para normalizar o abastecimento.

Além de gasolina, começam a se tornar escassos alguns itens básicos de alimentação como carne e verduras. Isso também provocou aumento de preços. Em alguns mercados, o litro de leite, que normalmente custa B$ 6, está a B$ 8. A dúzia de ovos foi de B$ 9 para B$ 13, o quilo do peito de frango aumentou de B$ 29 para B$ 35 e o pé de alface que custava B$ 4 sai a B$ 8.

Sem prazo para deixar o poder

Questionada duas vezes sobre quando pretende deixar o governo, a autoproclamada presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, não respondeu à pergunta. Segundo ela, a data de sua saída vai depender do andamento dos trabalhos para a realização de novas eleições gerais no país, sua prioridade. A Constituição estipula prazo de 90 dias que termina em 22 de janeiro de 2020.

Ontem, Jeanine concedeu sua primeira entrevista a correspondentes internacionais. Ladeada pela ministra da Comunicação, Roxana Lizárraga, e pelo ministro da Economia, José Luiz Parada, ela entrou no salão central do Palácio Quemado, sede do governo boliviano, aparentando estar à vontade na nova função.

Em meio a negociações com o Movimento ao Socialismo (MAS), partido do ex-presidente Evo Morales que detém dois terços do Parlamento, para pacificação do país, Jeanine contrariou a principal demanda dos socialistas, a garantia de que Evo poderá voltar ao país sem sofrer represálias. Segundo ela, se o ex-presidente voltar, terá de enfrentar na Justiça acusações de fraude eleitoral e denúncias de corrupção.

Em entrevista à agência Reuters, Evo afirmou que está disposto a não participar das eleições. "Pela democracia, se eles não querem que eu participe, não tenho nenhum problema. Só me pergunto por que tanto medo do Evo", afirmou na Cidade do México, onde está asilado. O ex-presidente disse ainda que não sabe quem poderia ser o candidato da esquerda caso não participe das eleições.

Jeanine se posicionou de maneira enérgica no campo contrário ao de países governados pela esquerda como México, Cuba, Venezuela e Nicarágua.

O governo cubano determinou o retorno dos médicos e colaboradores que enviou à Bolívia como parte de um programa de cooperação com a gestão de Evo após classificar de "falsas" as acusações do governo de Jeanine de que cubanos teriam financiado protestos. Ontem, Havana denunciou a "prisão injusta" da chefe de sua equipe médica na Bolívia, Yoandra Muro. Outros cinco integrantes da missão estão presos.

Parada, ministro interino da Economia, chegou a prever ontem a derrocada econômica do presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández. Pouco depois, a nova chanceler, Karen Longáric, anunciou o rompimento de relações com o governo Nicolás Maduro e a expulsão de centenas de funcionários da embaixada venezuelana em La Paz. Karen também anunciou que a Bolívia deixará a Alba (Aliança Bolivariana) e está avaliando sair da Unasul (União das Nações Sul-americanas).

Autoproclamada em uma sessão esvaziada do Congresso e alvo de contestações internas e externas por não ter o número mínimo de parlamentares previsto em lei, Jeanine disse que impugnará a sessão realizada na quinta-feira, 14, pelo Senado, que escolheu a nova mesa diretora da Casa, sob comando do MAS. O motivo, segundo Jeanine, é a falta de quórum na sessão.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Jeanine na sede do governo:

Novas eleições

"Espero que tenhamos tempo e a madurez suficientes para levar a cabo o mais rápido possível primeiro a eleição de administradores do processo eleitoral que sejam transparentes, com personalidade reconhecida, capazes, com méritos e que demonstrem aos cidadãos bolivianos que vão fazer as coisas bem. Que não vai haver manipulação dos resultados de um processo eleitoral. O país agora demanda paz e eleições transparentes."

Golpe

"Golpe de Estado é o que sofremos, nós bolivianos, em 20 de outubro, com eleições descaradamente fraudulentas."

Exílio

"Evo Morales, em sua qualidade de asilado político, não poderia estar fazendo declarações públicas. Essa é uma explicação que o Estado mexicano tem que dar e é objeto de uma reclamação feita pela chancelaria. Ele está violando a legislação relativa a um exilado."

Participação do MAS nas eleições

"Os presidentes dos tribunais eleitorais que eles indicaram estão privados de liberdade e isso tem como consequência o título de delito eleitoral. Neste momento, estamos tratando de formar um Tribunal Eleitoral probo e qualificado que tomará a decisão se um partido político envolvido em fraudes eleitorais deve sofrer as sanções pertinentes."

Retorno de Evo

"Ele sabe que tem contas pendentes com a Justiça boliviana. Se o ex-presidente quer voltar, que volte, mas terá de responder à Justiça. Há um delito eleitoral e o tribunal que vamos eleger terá de emitir uma decisão sobre isso. Além do mais, há muitíssimas denúncias de corrupção contra o seu governo que estão impunes, pois o Judiciário estava às ordens do Executivo."

Negociações com o MAS

"A mesa dos negociadores continua porque as mobilizações incentivadas pelo MAS continuam. E devo dizer que continuam de maneira muito mal intencionada. Pois não se pode causar temor na população como eles estão fazendo. E um dos mecanismos de manipulação era as redes sociais."

Tempo de governo

"Insisto que este é um governo de transição e no menor tempo possível queremos levar adiante a convocatória de eleições que é nosso objetivo. Eu me comprometo a levar às eleições transparentes. Se conseguirmos isso até 22 de janeiro, tenho a certeza de que então vamos sair."

Símbolos religiosos

"Quanto ao ingresso da Bíblia quero dizer que sou uma mulher de fé, de Deus. Respeito todas as tradições, mas creio que se estou no Palácio, a Bíblia também vai estar, pois me sinto mais fortalecida quando apelo a uma oração para poder atuar bem."

Brasil: modelo para mudança econômica

O ministro da Economia do governo interino, José Luiz Parada, citou a política econômica do governo Jair Bolsonaro como exemplo a ser seguido. Segundo ele, a reforma da Previdência do Congresso brasileiro é um exemplo de como a responsabilidade fiscal pode ser uma ferramenta para que o Estado tenha condições econômicas de dar conta das demandas sociais.

Parada disse que pretende fazer uma transição na economia local. "Temos que fornecer a informação que não foi transparente durante 14 anos (do governo Evo Morales). E dar aos novos governantes toda a realidade da situação econômica do país que lhes permitam elaborar uma política de desenvolvimento clara. Pois os governos do socialismo do século 21 fizeram políticas partidárias", disse. Nos 14 anos do governo Evo, a Bolívia cresceu em média 5% ao ano e a miséria foi reduzida pela metade. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.