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Crise faz China exercer agressiva 'diplomacia sanitária' e Ocidente reage

26 abr 2020 às 09:11

Era 30 de março quando Belgrado, na Sérvia, amanheceu com outdoors ocupados pelo retrato do secretário-geral do Partido Comunista Chinês (PCCh), Xi Jinping, sobre o fundo da bandeira do país e uma frase: "Obrigado, irmão Xi". Pagos por um jornal sérvio pró-governo, a imagem se tornou símbolo da nova projeção do poder chinês e da renovada assertividade da política externa da China durante a pandemia de covid-19.

As ações viraram alvo de contestação não só de líderes conservadores, como o presidente americano, Donald Trump, mas também de moderados, como o francês Emmanuel Macron e a chanceler alemã, Angela Merkel. E isso no momento em que Pequim aprofunda a chamada "rota da seda sanitária", expressão de sua "diplomacia das máscaras e respiradores", produtos essenciais para o combate à pandemia e os quais têm no país o maior produtor mundial.

Eles questionam a conduta chinesa no início da pandemia. Teria o país alertado a Organização Mundial da Saúde (OMS) a tempo ou escondido a informação sobre o novo vírus? Essa desconfiança e a dependência dos países de produtos médicos chineses essenciais à defesa de suas populações trará consequências às relações internacionais.

"O vírus passou a ser, neste momento, o eixo central de confrontação", afirmou o ex-embaixador brasileiro em Pequim Roberto Abdenur. Ele identifica a origem da maior "assertividade" da chancelaria chinesa com a ascensão de Xi à direção do PCCh, em 2012. "Até então, a China tinha uma política externa mais discreta. Xi Jinping liberou essas forças. A China alcançou a modernização econômica, militar e tecnológica e, por isso, sua diplomacia passou a ser mais assertiva."

Mas, conforme a pandemia se espalhava, as reações à China cresciam, assim como sua propaganda. Em Bamako, no Mali, sua embaixada soltou nota defendendo a luta de Pequim "vitoriosa contra a covid-19". "A força da China é a direção forte do Partido Comunista e do governo, o senso de disciplina e de sacrifício da população". Dias depois, o chanceler chinês, Wang Yi, foi questionado pelo presidente da União Africana, Moussa Faki Mahamat, pelo suposto racismo contra estudantes nigerianos na China, em razão do aparecimento entre eles de casos da doença.

Em Burkina Faso, a embaixada chinesa reagiu à decisão do governo de pôr em quarentena chineses chegados a Ouagadougou, sob a suspeita de contágio. "Eles (os chineses) não tinham antecedentes relativos à covid-19, nem na China nem em outro lugar", dizia comunicado chinês, que contestava a medida.

Fake

Nesta semana, após atrito com a China, o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, disse que a Europa "deve se tornar mais geopolítica". Ele lembrou que a Comissão Europeia considera a China ao mesmo tempo um parceiro e um rival sistêmico, o que não os impede de colaborar. "Mas isso só pode acontecer enquanto a China respeitar a UE. E esse nem sempre é o caso. Às vezes, Pequim joga sua fichas na fragmentação da UE."

As declarações ao jornal Le Monde são o resultado de duas semanas de tensões entre os países, desde que o embaixador chinês em Paris, Lu Shaye, fez publicar um texto com críticas aos governos e à imprensa ocidentais. Para a embaixada, "a vitória da China sobre a epidemia despertou rancor". "Com teses fabricadas, apresenta-se a China como a grande responsável pela pandemia. Mas o fato de que tenham subestimado a epidemia e demorado para tomar medidas, tornando-a incontrolável, não lhes pesa na consciência nem lhes perturba o sono."

Além da propaganda do regime, a embaixada afirmava que funcionários de instituições para idosos na Europa estavam abandonando pacientes com covid-19 à própria sorte. E usava a sigla francesa Ehpad para designar esses lugares. Acusava ainda 80 parlamentares franceses, que apoiavam Taiwan, de ofender o secretário-geral da OMS, Tedros Adhanom, o etíope eleito para dirigir a organização com o apoio da China, em 2017, chamando-o de "negro". Era falso.

Le Drian convocou Lu Shaye e pediu explicações. Após a França, foi a vez da Alemanha. Merkel questionou o papel da China na pandemia de covid-19, afirmando que o governo chinês devia ter "a máxima transparência a respeito da gênese do coronavírus. "Quanto mais a China prestar contas ao mundo com transparência, melhor será para todo o planeta."

Não se trata aqui de dar vazão às teorias conspiratórias que veem no Sar-Cov-2 um vírus manipulado ou criado por chineses a fim de prejudicar outros países. Ou simplesmente de embarcar no discurso de Trump e do deputado federal Eduardo Bolsonaro, que faz questão de chamar o coronavírus de "vírus chinês" para pôr nos ombros de Pequim não só seus possíveis erros na crise, bem como as falhas cometidas por governos que subestimaram a pandemia. Os dois provocaram reações da diplomacia chinesa, até mesmo com a sugestão de que o vírus seria, na verdade, americano.

"A briga não é só comercial, mas estratégica, uma disputa pela hegemonia política, econômica e tecnológica", disse Abdenur. E a China, que foi uma das principais beneficiadas pela globalização, sabe que vai perder mercados. "Após a crise, a globalização será muito mais marcada por questões geopolíticas. A economia global está mudando e ela precisa se preparar para um mundo mais hostil a ela também em função de seu tamanho", conclui o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Oliver Stuenkel. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.