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Trump exige prisão de manifestantes; países rivais acusam EUA de 'hipocrisia'

02 jun 2020 às 07:10

Em reunião por videoconferência, Donald Trump exigiu ontem que os governadores usem a força e prendam os manifestantes que tomam as ruas de mais de 130 cidades do país há uma semana. Os pedidos de repressão feitos por um presidente acuado na Casa Branca estão sendo usados por países rivais, que sempre foram criticados pelos EUA por abusos de direitos humanos, e agora acusam o governo americano de hipocrisia.

"Vocês precisam dominar a situação. Se não dominarem, estarão perdendo tempo. Eles vão atropelá-los. Vocês vão parecer um bando de idiotas", disse Trump aos governadores, segundo áudio divulgado pelo Washington Post. "Vocês devem prender e julgar as pessoas e elas devem ficar presas por um longo período."

Protestos ontem foram registrados em várias partes do mundo. Em Berlim, no sábado, e em Londres, no domingo, as manifestações se concentraram diante da embaixada americana. Em Amsterdã, uma multidão lotou ontem a Praça do Dam, no centro da cidade. Em Paris, os franceses pediam justiça para Adama Traoré, negro de 24 anos morto pela polícia em 2016.

Em países rivais dos EUA, a onda de violência virou uma chance de ironizar Trump, principalmente na China, que vinha se queixando da interferência americana na repressão aos protestos em Hong Kong. Hua Chunying, porta-voz da chancelaria chinesa, respondeu pelo Twitter a uma mensagem do Departamento de Estado americano com a frase "Não consigo respirar", usada por George Floyd, negro asfixiado por um policial branco de Minneapolis, episódio que desatou a onda de protestos.

"Há diferentes razões para os tumultos, mas as semelhanças são avassaladoras: eles desafiam a lei, subvertem a ordem e são destrutivos", afirmou Hu Xijin, editor do Global Times, jornal ligado ao governo da China. Em vídeo, Xijin elogia o fato de Pequim ter mantido distância dos protestos nos EUA, diferentemente do que fizeram os americanos em Hong Kong.

Na China, a imprensa oficial tem tratado a crise como um sinal da decadência americana - que ocorre ao mesmo tempo em que o país acumula mais de 100 mil mortos pela pandemia de covid-19 e 40 milhões de desempregados. Na sexta-feira, quando chegou a notícia de que Trump havia sido levado para um bunker na Casa Branca, a hashtag #BunkerBoy chegou ao segundo lugar no Twitter.

Os protestos também viraram propaganda no Irã. O chanceler, Mohamed Zarif, publicou no Twitter um comunicado antigo em que o Departamento de Estado dos EUA critica a repressão iraniana, mas substituindo as menções ao Irã pela palavra "América". Até o aiatolá Ali Khamenei se pronunciou. "Se você tem a pele escura, e está caminhando nos EUA, não tenha tanta certeza de que estará vivo nos próximos minutos", dizia a frase em uma conta ligada ao líder supremo no Twitter.

"Este não é o primeiro de uma série de comportamentos ilegais e de violência injustificada por parte da polícia dos EUA", disse o Ministério das Relações Exteriores da Rússia, em comunicado. "O caso se soma à longa história do Kremlin de assinalar os abusos de direitos humanos nos EUA."

Em Washington, autoridades do governo americano entraram na batalha de propaganda. "A diferença entre nós e muitos países autoritários por aí é que, quando algo como isso ocorre aqui, nós investigamos", declarou o assessor de Segurança Nacional Robert OBrien, no programa This Week, da rede ABC.

"O problema é que a posição de Trump agora não é diferente da expressada por outros autocratas", escreveu Ishaan Tharoor, colunista do Washington Post, que lembrou os elogios do presidente americano aos protestos dos "coletes amarelos" na França, quando Trump usou a revolta para criticar o ativismo ambiental do presidente Emmanuel Macron. (Com agências internacionais)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.