Policial

'Brutalidade contra mulheres trans não termina com morte', critica Observatório de Feminicídios

05 abr 2022 às 10:49

As Néias - Observatório de Feminicídios de Londrina - se manifestaram na manhã desta terça-feira (5) sobre o julgamento de José Mauro Lopes da Silva, que foi condenado a nove anos e 15 dias de prisão pelo assassinato da travesti Scarlety Mastroiany em júri popular que ocorreu na segunda-feira (4) em Londrina. 

As Néias afirmam que houve "a tentativa de construção das imagens de Bianca e Scarlety como pessoas perigosas, promíscuas e prejudiciais à sociedade." Por outro lado, o Observatório ressaltou que o réu era descrito como um homem trabalhador, esforçado, pai presente, "de família", uma construção moral para contrapor ao trabalho de Scarlety e Bianca como prostitutas.

"Lamentável, porém, o desconhecimento demonstrado pelo representante do MP e por alguns integrantes da defesa acerca das identidades de gênero. Insistentemente referiram-se a Scarlety pelo nome de registro, a ela e Bianca com artigo masculino, ou como "gay" e "homossexual", submetendo-as a mais um ato de violência", afirma as Néias.

Confira a nota na íntegra:

Em julgamento marcado pelo não reconhecimento das identidades de gênero das vítimas e por discussões entre defesa e Ministério Público, foi condenado parcialmente neste 4 de abril de 2022 José Mauro Lopes, pelos crimes de tentativa de homicídio qualificado contra Bianca Duarte e por participação no homicídio qualificado de Scarlety Mastroiany - um transfeminicídio, na visão de Néias.

José Mauro recebeu pena de 9 anos e 15 dias, reduzida a 6 anos em regime semiaberto por já estar preso há 3 anos. O réu conquistou também o direito de recorrer em liberdade. Os crimes ocorreram em 10 de dezembro de 2018 e José Mauro é apenas um dos três réus envolvidos no caso.

No acompanhamento das argumentações da defesa notamos - como tem sido recorrente em julgamentos de casos de feminicídio - a tentativa de construção das imagens de Bianca e Scarlety como pessoas perigosas, promíscuas e prejudiciais à sociedade. Ressaltamos que elas são, ainda, atravessadas pela transfobia, muitas vezes camuflada em falas afáveis de suposta preocupação com a vivência das mulheres trans e travestis.

Enquanto isso, José Mauro era descrito como um homem trabalhador, esforçado, pai presente, "de família", uma construção moral para contrapor ao trabalho de Scarlety e Bianca como prostitutas. A firmeza de Bianca, em depoimento por viodeoconferência, forneceu excelente contraponto a essas narrativas ao demarcar os lugares de vítimas e agressores na cena.

A atuação do representante do MP mostrou-se vigilante, em boa parte do tempo, no sentido de não permitir que narrativas de preconceito contaminassem as visões dos jurados. Pode-se depreender de suas falas a defesa enfática de que o comportamento ou o meio de vida de Bianca e Scarlety não eram desculpa para as agressões.

Lamentável, porém, o desconhecimento demonstrado pelo representante do MP e por alguns integrantes da defesa acerca das identidades de gênero. Insistentemente referiram-se a Scarlety pelo nome de registro, a ela e Bianca com artigo masculino, ou como "gay" e "homossexual", submetendo-as a mais um ato de violência.

O julgamento deixou claro, ainda, o quanto digilências tardias ou mal realizadas prejudicam a elucidação dos crimes. A defesa apoiou-se fortemente nessas falhas, como a coleta de imagens de apenas uma câmera de segurança - em via fartamente monitorada - e a ausência de uma análise de reconhecimento de digitais nas facas apreendidas.

São falhas preocupantes que reforçam nosso alerta enquanto organização que preza pela justiça e pela correta aplicação das penas. O resultado do julgamento desta segunda foi comemorado pela defesa e nos mostra que a brutalidade com pessoas travestigêneres não cessa com suas mortes.

Seguimos viligantes e lutando por todas as vidas de mulheres, cis e trans, agredidas, violentadas e mortas. Ainda esperamos justiça por Scarlety.