Os advogados fizeram nesta terça-feira (25) as
sustentações orais no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a
denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair
Bolsonaro e outros sete civis e militares, todos acusados de participar do
planejamento e da execução de um golpe de Estado mal sucedido.
Em comum, os defensores afirmaram que a PGR não
conseguiu especificar os atos criminosos. Eles também reclamaram de cerceamento
de defesa, sobretudo por não terem acesso à íntegra das provas utilizadas pela
acusação e pelo prazo curto recebido para analisar dezenas de milhares de
documentos que embasaram a denúncia.
As oito defesas do chamado “núcleo crucial” do
golpe foram ouvidas na manhã desta terça na Primeira Turma do Supremo,
colegiado composto por cinco dos 11 ministros do Tribunal e onde tramita a
denúncia sobre o golpe.
Antes, foi a vez de o procurador-geral da
República, Paulo Gonet, reiterar sua denúncia, reafirmando que Bolsonaro
liderou uma organização criminosa com o objetivo de se manter no poder mesmo
com derrota em sua tentativa de reeleição.
Para o PGR, o planejamento e a execução do golpe
começaram em meados de 2021 e tiveram fim somente em 8 de janeiro de 2023,
quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três
Poderes, em Brasília.
Cerceamento de defesa
A maior parte dos advogados reclamou de não poder
acessar os arquivos brutos do que foi extraído dos celulares apreendidos, por
exemplo, de modo a poderem construir a própria narrativa, destacando fatos que
julgassem importantes para inocentar seus clientes.
“Temos tudo que a denúncia e o relatório da Polícia
Federal citaram, mas esse é o recorte da acusação. Com todo respeito, a defesa
tem o direito de fazer o próprio recorte”, disse o advogado Celso Vilardi, que
defende Bolsonaro. “Eu não tenho a completude, eu não tenho os telefones, eu
não tenho as mídias.”
Para o advogado Matheus Milanez, que representa o
general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI) da Presidência da República, a denúncia apresentada é um
esforço para comprovar uma narrativa previamente preparada pela PGR, num
esforço similar ao de pessoas que acreditam que a Terra é plana e buscam
evidências para isso.
Milanez citou, por exemplo, que a acusação contra
seu cliente se baseia sobretudo em anotações encontradas numa agenda, cujas
páginas que basearam a denúncia foram anexadas aos autos, mas não a íntegra da
própria agenda.
“Cadê a íntegra da suposta agenda? Foram
colacionadas páginas da agenda, mas não tem a ordem. As páginas estão na ordem?
Não tenho como dizer”, exemplificou.
A posição foi reforçada pelo advogado José Oliveira
Lima, defensor do general da reserva Walter Braga Netto. “A defesa não está na
mesma situação que a acusação. A defesa está com sua atuação cerceada”,
avaliou.
Outra estratégia dos investigadores para cercear a
defesa, acusou Lima, foi despejar centenas de milhares de documentos nos autos
do processo, de modo a impedir que os advogados tivessem tempo hábil para
extrair uma narrativa própria entre o que foi coletado pela PF.
“A defesa não teve a menor condição de analisar o
que foi colhido”, afirmou.
“Non sense”
O advogado Demóstenes Torres, que representa o
almirante Almir Garnier, também acusou a PGR e a PF de terem excluído do
processo fatos que poderiam desmentir a narrativa de acusação. Ele afirmou, por
exemplo, que os “romancistas” da PF não levaram em consideração contradições
como o fato de seu cliente não estar em Brasília em datas nas quais os
investigadores o acusam de participar de atos golpistas.
Para Torres, a PGR não apontou nenhuma ligação
entre as condutas de Garnier e os ataques de 8 de janeiro de 2023, quando as
sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas por
apoiadores de Bolsonaro. O defensor afirma que imputar ao almirante crimes
relacionados ao episódio “é um non sense [afirmação sem sentido], não existe
nada”.
O mesmo alegou o advogado Eumar Novacki, defensor
do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, para quem a PF tenta transformar a
atuação profissional de seu cliente em condutas criminosas. Ele negou que seu
cliente tive ciência de qualquer plano golpista e apenas assessorou o
presidente quando solicitado.
“Se trata de conduta profissional, do exercício de
suas funções”, disse.
Andrew Farias, advogado do general da reserva e
ex-ministro da Defesa Sergio Nogueira, também acusou a PGR de ter ignorado
evidências sobre a inocência de seu cliente. Uma dessas provas seria o relato
do delator do plano golpista Mauro Cid, o tenente-coronel e ex-ajudante de
ordens de Bolsonaro, segundo quem Nogueira avisou Bolsonaro sobre não haver
fraudes nas urnas eletrônicas e também manifestou medo que o ex-presidente
assinasse uma “doideira” para dar um golpe.
“Vão fazer vista grossa, não vale essa parte [do
depoimento]?”, indagou Farias. “A história não fecha, porque a prova dos autos
é contundente em demonstrar a inocência”, afirmou o defensor, que chamou a
denúncia da PGR de “ilação”.
Colaboração premiada
A maior parte das defesas insistiu também na anulação da
colaboração premiada de Mauro Cid, que disseram ter sido obtida sob coação, com
a ameaça de que a família do tenente-coronel fosse presa. “Cabe ao Poder
Judiciário analisar a regularidade”, disse o advogado José de Oliveira Lima.
“O delator disse que foi coagido pela Polícia Federal, isso
está nos autos”, destacou Lima, citando um áudio publicado pela revista Veja em
que Cid relata a um interlocutor ter sido intimidado pelos investigadores a
relatar acontecimentos dos quais não sabia. Ele afirmou que o tenente-coronel
“é mentiroso, ele mente”.
Em sua sustentação oral, o advogado de Cid, Cezar
Bittencourt, disse não ter “muita coisa a falar” sobre a participação dele na
trama golpista, a não ser “sua participação nos fatos como testemunha, como
intermediário, como assessor que foi do presidente, que tinha conhecimento dos
fatos, dos aspectos que se desencadearam”.
Julgamento
A Primeira Turma julga nesta terça-feira (25) se recebe ou
não a parte denúncia referente ao chamado “núcleo crucial” do golpe, composto
por oito dos 34 denunciados pela tentativa de golpe.
Após a leitura do relatório e da sustentação oral de
acusação e defesas, o julgamento foi interrompido para um intervalo de almoço,
sendo retomado à tarde. Agora, os ministros devem votar as questões
preliminares apresentadas pelas defesas, antes de passarem ao mérito da
denúncia.
A previsão é de que o julgamento sobre o eventual
recebimento da denúncia termine somente na tarde de quarta-feira (26).