Há uma semana, André Brasil teve negada, pela Justiça alemã, a ação que impetrou contra o Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês) pela reclassificação funcional à qual foi submetido há dois anos e que o tornou inelegível para a natação paralímpica nas provas em que é especialista. A resposta sobre quais os próximos passos a serem dados é algo que o nadador 14 vezes medalhista em Paralimpíadas e outras 32 em Campeonatos Mundiais ainda busca.
“[Sobre recorrer] é algo que venho conversando com o advogado, mas preciso entender, amadurecer algumas ideias, tomar conhecimento de que já não será mais a forma como eu gostaria de encerrar [a carreira]. Tenho que conversar com meus terapeutas e psicólogos e assimilar esse momento de ansiedade e angústia. O tempo cura, mas ele urge. Nesse momento, ainda sou atleta profissional, mas se não vier a ser mais, como preciso me posicionar daqui para a frente? É um sentimento de que tomaram, digamos, uma decisão [sobre a carreira] sem minha prévia autorização”, disse André.
A classificação funcional define a categoria do atleta no esporte adaptado. Na natação, as classes de 1 a 10 são voltadas a pessoas com deficiências físico-motoras. Quanto maior é o número, menor o grau de comprometimento. André fazia parte da classe S (do inglês swimming) 10. Ele teve poliomielite aos dois meses de vida, após reação à vacina, e sequelas na perna esquerda.
Em abril de 2019, antes de um torneio internacional em São Paulo, o nadador passou por uma reclassificação, após o IPC promover mudanças nas regras de avaliação, em 2018. As duas bancas de especialistas, que o analisaram dentro e fora da água, não o consideraram apto à S10 nos nados livre, costas e borboleta. Como não há uma categoria acima, André ficou inelegível nestas provas. A exceção é o peito, estilo em que o carioca de 36 anos ainda poderia lutar por vaga na Olimpíada de Tóquio (Japão), mas que nunca foi sua especialidade.
“A última vez que nadei oficialmente os 100 [metros nado] peito foi em Guadalajara [México, nos Jogos Parapan-Americanos], em 2011. Foi uma jornada de dez anos [desde então], com o corpo diferente e, principalmente, um nado em que, talvez, eu não venha a dar um resultado que me coloque na disputa para os Jogos. Por isso o meu posicionamento de que não tenho mais chance [de classificação pra Tóquio]”, argumentou.
Na ação, André teve apoio do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Assinada pelo presidente Mizael Conrado, a nota da entidade afirma que a alteração nos critérios para classificação funcional “não foi pautado pela ciência e nem tampouco por pesquisa que pudesse retratar a equidade do esporte paralímpico”. A crítica faz coro a uma das reclamações do nadador, que recebeu três pontos (de cinco possíveis) na avaliação dentro da água, por causa de um movimento de tornozelo que, segundo ele, não condiz com a deficiência na perna esquerda.
Nas análises dentro e fora da água, o atleta acumula um máximo de 300 pontos, o que representa uma pessoa sem deficiência para locomoção. Para um nadador estar apto às provas paralímpicas, a soma máxima é de 285 pontos. André, na reclassificação de 2019, obteve um ponto a mais.
“A deficiência do André não é progressiva, ela só limita ainda mais os movimentos. Portanto, como justificar então tudo o que ele conquistou? Denominamos esta mudança na classificação como um dos mais tristes episódios da história do paralimpismo mundial. O fato de o André Brasil não ter tido nova oportunidade de classificação aumenta nossa tristeza e deixa a dúvida se a prioridade do esporte são os atletas”, conclui a nota do CPB.
Outro questionamento de André e do CPB diz respeito à presença da chefe dos classificadores no torneio que o nadador disputaria em São Paulo nas duas bancas de avaliação. Eles argumentam que ela não poderia ter se envolvido nas duas análises.
“Em 2018, fiz uma cirurgia no ombro que me fez refletir sobre muitas coisas, inclusive minha continuidade. Isso [inelegibilidade] veio a acelerar o pensamento. Não sei se [o futuro] será na borda da piscina, como técnico, mas, hoje, acredito que seria [atuando] nos bastidores. A gente não pode ficar à mercê de um sistema que determina a vida das pessoas de uma forma que, no meu entender, é injusta, por ser subjetiva. A toada que o movimento do esporte adaptado tem levado na classificação cada vez mais dificulta a vida de quem sonha em se tornar um atleta paralímpico”, finalizou André.