Em uma missão inédita, a Embrapa deu início a experimentos com cultivos
agrícolas no espaço, marcando a estreia de sementes brasileiras em condições
suborbitais. Lançado na última segunda-feira (14), o voo da Blue Origin, além
de uma tripulação composta exclusivamente por mulheres, transportou plantas de
batata-doce das cultivares Beauregard e Covington, e sementes do grão-de-bico
BRS Aleppo — todas desenvolvidas ou registradas pela Embrapa.
O experimento integra as atividades da Rede Space Farming Brazil, uma
parceria entre a Embrapa e a Agência Espacial Brasileira (AEB), voltada para a
inovação na produção de alimentos em ambientes extremos, como os encontrados
fora da Terra. A iniciativa visa encontrar soluções para garantir segurança
alimentar em missões espaciais e, ao mesmo tempo, gerar benefícios diretos para
a agricultura no planeta.
A presença dos materiais brasileiros a bordo da missão foi viabilizada
por um convite da Winston-Salem State University (EUA), representada na
tripulação pela astronauta Aisha Bowe, ex-cientista de foguetes da instituição.
Ela será responsável por conduzir os experimentos com as sementes brasileiras
no espaço, em parceria com a Odyssey, empresa ligada à universidade e dedicada
à pesquisa espacial.
Por que batata-doce e grão-de-bico?
Segundo os pesquisadores, as duas culturas foram escolhidas por suas
características agronômicas e nutricionais favoráveis à produção em ambientes
de baixa gravidade e alta radiação. A batata-doce, por exemplo, é fonte de
carboidratos de baixo índice glicêmico e suas folhas podem ser consumidas como
proteína vegetal. Já o grão-de-bico é rico em proteínas e conhecido por sua
resistência e adaptabilidade.
As cultivares Beauregard e Covington, ambas com polpa alaranjada e alto
teor de betacaroteno, são adaptadas para o consumo humano e contribuem com
benefícios para a saúde dos olhos e da pele — características especialmente
relevantes para missões espaciais expostas à radiação. A cultivar de
grão-de-bico BRS Aleppo foi escolhida pelo seu alto valor nutricional e potencial
de adaptação a sistemas de cultivo em ambientes desafiadores.
Da órbita para o campo
A expectativa dos cientistas da Embrapa é que as pesquisas espaciais
tragam avanços significativos para a agricultura na Terra.
“O cultivo no espaço demanda plantas de porte reduzido, de crescimento
rápido e eficientes no uso de recursos como água e nutrientes — exatamente o
que também precisamos no campo diante das mudanças climáticas”, explica Larissa
Vendrame, pesquisadora da Embrapa Hortaliças.
Além disso, a exposição das sementes a ambientes espaciais, como à
radiação gama e aos nêutrons, poderá induzir mutações genéticas que resultem em
plantas mais produtivas, resistentes e adaptadas, acelerando os programas de
melhoramento genético convencionais.
Conhecimento além da fronteira
Para a pesquisadora Alessandra Fávero, da Embrapa Pecuária Sudeste e
coordenadora da Rede Space Farming Brazil, o projeto é também uma vitrine para
tecnologias que podem transformar a agricultura.
“A exemplo de soluções da NASA que viraram parte do nosso cotidiano,
queremos trazer do espaço novas formas de produção, cultivares mais nutritivas,
sistemas inteligentes de irrigação e mais eficiência energética para a
agricultura brasileira”, afirma.
A rede por trás da missão
A Rede Space Farming Brazil reúne atualmente 56 pesquisadores de 22
instituições, entre elas USP, Embrapa, Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE), Universidade Federal de Lavras, Florida Tech University e a
própria Winston-Salem State University. Criada para atender às demandas do
Programa Artemis, da NASA, a rede tem como missão desenvolver sistemas de
produção que viabilizem a vida humana fora da Terra, além de trazer inovações
para a produção agrícola no planeta.
Os resultados da experiência suborbital serão analisados por um grupo
multidisciplinar de cientistas brasileiros, que já planejam futuras fases da
pesquisa. Se bem-sucedido, o experimento poderá revolucionar o modo como
produzimos alimentos em ambientes extremos — seja no espaço, seja nas áreas
mais desafiadoras do nosso planeta.