Um estudo realizado no Brasil mostrou uma triste realidade: a população de jumentos pode desaparecer nos próximos cinco anos. Os dados foram divulgados pela FAO, Organizações das Nações Unidas para a Alimentação, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Agrostat, uma plataforma que mostra as movimentações de comércio exterior do agronegócio. O levantamento apontou que 94% da população de jumentos, que era de 1,37 milhão em 1999, hoje, só restam 78 mil animais.
De acordo com o Ministério da Agricultura, apenas entre os anos de 2018 e 2024, 248 mil jumentos foram abatidos o Brasil, em três frigoríficos autorizados para esse fim. O abate visa atender a demanda chinesa por jumentos. Na China, a pele do animal, rica em um tipo de colágeno chamado eijão, é um produto muito valorizado.
Na tradicional medicina chinesa, o ejiao é recomendado para diversos problemas de saúde, como menstruação irregular, anemia, insônia e até impotência sexual.
O estudo aponta que, com uma população tão pequena, os jumentos devem ser extintos dentro de cinco anos caso não exista nenhum investimento em programas de reprodução. “O jumento nordestino possui um perfil genético único, adaptado ao semiárido brasileiro. Sua extinção seria uma perda irreparável para nossa biodiversidade e para as comunidades rurais que dependem dele”, afirma Patricia Tatemoto, coordenadora da campanha da The Donkey Sanctuary no Brasil. Segundo ela, “Há três caminhos sustentáveis: viverem livres na natureza, seguirem como apoio à agricultura familiar ou serem valorizados como animais de companhia”.
O agrônomo Roberto Arruda, doutor em economia aplicada pela USP, defende alternativas tecnológicas: “Já existem soluções viáveis, como a fermentação de precisão, que permite produzir colágeno em laboratório sem recorrer à exploração animal. É uma oportunidade para o Brasil liderar um modelo mais sustentável e ético”.
Jumentos trocados por motos
Antigamente, os jumentos eram utilizados, principalmente na região Nordeste, como meio de transporte e ferramenta de trabalho. A partir dos anos 2000, porém, o uso do animal foi sendo substituído por motocicletas. Abandonados, os animais começaram a se movimentar pela região, à procura de alimentos e virou um problema de segurança nas rodovias da região.
Os problemas causados pelos animais nas estradas levaram o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) do Ceará e Rio Grande do Norte, por exemplo, a criarem um órgão especial para recolher os animais que andavam pelas rodovias. Por ano, eram recolhidos cerca de 4 mil animais.
Sem ter onde colocar os animais, o abate surgiu como uma solução e alguns frigoríficos, atentos à demanda asiática pela carne e pele do animal, iniciaram as tratativas para legalizar o abate e exportação. Atualmente, os três frigoríficos autorizados estão na Bahia. Cerca de 50 mil animais são abatidos por ano. As peles são direcionadas à China enquanto a carne, a países como Vietnã e Hong Kong.
Iniciativas para preservação do jumento
O problema não é novo no Brasil e alguns projetos de lei tentam frear o risco de desaparecimento dos jumentos. No Congresso Nacional, dois projetos que visam a preservação da espécie tramitam, o PL 2.387/2022 aguarda votação em plenário após aprovação na CCJ da Câmara. Na Assembleia Legislativa da Bahia, o PL 24.465/2022 também foi aprovado na CCJ e depende de deliberação final. Ambos propõem proibir o abate de jumentos.
"O jumento é nosso irmão", já dizia o sanfoneiro Luiz Gonzaga. Entretanto, esse animal tem sofrido maus tratos ao longo do tempo, chegando a ser exportado como carga viva.", declarou o deputado Celio Studart (PSD/CE), autor de um dos projetos. "“A população de jumentos no Brasil sofreu declínios alarmantes devido a uma série de fatores, incluindo este que mencionei, maus-tratos e a falta de políticas eficazes de proteção aos animais”.
Neste mês, a Ong britânica The Donkey Sanctuary irá realizar, em Maceió (AL) neste mês (entre os dias 26 e 28 de junho) um evento internacional chamado “Jumentos do Brasil: futuro sustentável” e apresentará o relatório. Na ocasião, ainda será lançada uma campanha global chamada “Stop the Slaughter” (Pare o massacre).