No último dia 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que taxaria os produtos brasileiros exportados para a América do Norte em 50%. A medida atinge sobretudo setores do agronegócio, como o de café, suco de laranja, açúcar, peixes e carne bovina. Nesta terça-feira (15), o governo federal se reúne com representantes dos setores atingidos para traçar estratégias de enfrentamento ao tarifaço. Ainda há dúvidas se o Brasil aplicará a Lei da Reciprocidade, decreto aprovado nesta segunda-feira (14) ou tentará negociar as tarifas usando a diplomacia. O que se sabe, porém, é que, assim como o tarifaço pode causar prejuízos consideráveis ao Brasil, as taxas também vão impactar diretamente os hábitos alimentares dos americanos, já que o hambúrguer, ovos, suco de laranja e café - símbolos da cultura alimentar americana - ficarão mais caros se a tarifa for de fato, aplicada.
O preço da carne bovina, café, suco de laranja e ovos nos Estados Unidos já era um problema antes do tarifaço de 50%, já que nos últimos anos, a produção norte-americana destes itens caiu consideravelmente, por questões climáticas ou a ocorrência de pragas e doenças, como a gripe aviária, no caso dos ovos, e o greening, que afetou a produção de laranjas na Flórida. Essa redução na produção local levou os americanos a importarem cada vez mais estes produtos, principalmente do Brasil, para suprir a demanda dos hábitos de consumo.
O mercado norte-americano é o segundo principal destino das exportações brasileiras, atrás apenas da China. Em 2024, as exportações brasileiras para os Estados Unidos totalizaramo US$ 40,3 bilhões. Segundo o Monitor do Comércio Brasil-EUA, publicado pela Amcham Brasil, o volume exportado foi de 40,7 milhões de toneladas, um crescimento de 9,9% em relação a 2023. Entre os produtos mais exportados estão petróleo bruto, aeronaves, café, celulose e carne bovina. De acordo com a instituição, somente no 1º semestre deste ano, as exportações totalizaram US$ 20 bilhões, um aumento de 4,4% em relação ao mesmo período de 2024.
Inflação do hambúrguer
O rebanho bovino dos Estados Unidos está em declínio e atingiu seu nível mais baixo desde 1951. Em 2024, o número de cabeças de gado foi estimado em 86,7 milhões, uma queda de 2% em relação ao ano anterior, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). De acordo com o departamento, foi a 5ª redução consecutiva registrada no país e isso ocorreu devido a uma forte seca que atingiu os Estados Unidos em 2020, prejudicando os pastos e obrigando os pecuaristas a confinarem mais gado. Consequentemente, o custo de produção aumentou e, junto com as taxas de juros mais altas no país, os pecuaristas americanos foram reduzindo seus rebanhos.
Com menos carne, o preço disparou. Em maio deste ano, a carne moída alcançou o preço médio mais alto já registrado nos Estados Unidos, US$ 5,98 (R$ 32,34) por libra (454 gramas), segundo dados do Bureau of Labor Statistics (BLS) dos EUA, divulgados no último relatório. O aumento foi de 16,2% em comparação com maio de 2024. Já entre os meses de janeiro e maio deste ano, a alta da carne moída é de 7,3%.
A alta nos preços da carne chegou a provocar protestos e briga na justiça. Empresas como o Mc Donalds e outras redes de hamburguerias entraram na justiça acusando grandes frigoríficos e fornecedores de carne de formar um cartel para inflacionar o preço da carne no país. JBS, Tysson Foods, Cargill e National Beef, que tem a Marfrig como principal acionista, foram acusadas de violar a lei antitruste do país.
Sem carne para produzir tanto hamburguer - em torno de 50 bilhões ao ano - os americanos elevaram as importações de carne do Brasil, principalmente. Entre janeiro e junho deste ano, as exportações de carne brasileira para os Estados Unidos aumentaram 113% (em relação ao 1º semestre de 2024), totalizando 181,5 mil toneladas, segundo a Associação Brasileira da Indústria Exportadoras de Carne (Abiec). Em receita, o comércio gerou US$ 1 bilhão no período.
O principal produto exportado aos EUA pelo Brasil são os beef trimmings, que são pedaços de carne bovina restantes do processo de corte e limpeza das peças tradicionais, que na prática, são importados para serem moídos e combinados com a gordura em excesso produzida pelos animais que superam 26 arrobas (390 Kg) de peso médio de carcaça no mercado norte-americano, para serem vendidos na forma de carne moída.
“Enquanto os exportadores brasileiros possuem grandes vantagens comparativas em termos de capacidade de redirecionamento das cargas a outros mercados, os importadores norte-americanos podem estar diante de um reforço de aperto substancial na disponibilidade local da proteína”, aponta a consultoria Datagro. “Deve haver um choque negativo na demanda por carne bovina brasileira, próximo de 4% da produção. Entretanto, quando avaliada a relevância dos cortes bovinos brasileiros importados pelos EUA para o abastecimento do seu mercado interno, percebe-se que a dependência é maior, chegando a 5,4% da disponibilidade doméstica total, uma indicação valiosa de que a nova taxação pode pressionar ainda mais o quadro local de oferta de gado e carne bovina”.
De acordo com a consultoria, “mesmo buscando outros fornecedores alternativos, não há nenhum player que se compara ao Brasil nem em termos de volume, muito menos em termos de preços” para suprir a demanda por carne moída nos Estados Unidos.
Café do Brasil
Se o americano não está comendo um hambúrguer, certamente ele pode estar tomando um café - um grande copo de café arábica, importado do Brasil. Em 2024, segundo a Associação Nacional do Café (NCA) o americano atingiu o maior nível de consumo diário de café dos últimos 20 anos: 67% dos adultos bebem café todos os dias. O hábito fez do país o maior consumidor de café do mundo.
Nos Estados Unidos, porém, não há produção de cafés. Segundo o USDA, eles produzem apenas 1% do café consumido. O resto, é importado, do Brasil, Colômbia (países que produzem as variedades arábicas, que são as preferidas do gosto americano), Vientã e Indonésia. Entre os meses de janeiro e maio deste ano, 17% do café consumido nos EUA foi importado do Brasil.
O produto, porém, também já estava mais caro nos Estados Unidos devido à queda global na produção do grão, ocasionada por mudanças climáticas (mesmos motivos que fizeram o preço do café subir no Brasil). Com a aplicação da taxa de 50% sobre o café, este comércio internacional fica praticamente inviável. Segundo dados do governo dos EUA, o preço do café subiu 32,4% entre junho de 2024 e maio deste ano. Com a taxa, o valor pode atingir preços históricos.
Suco de laranja
O suco de laranja brasileiro faz parte do café da manhã do cidadão norte-americano. Por muitos anos, a Flórida foi um grande produtor de laranjas e de suco, ganhando até mesmo a alcunha de Orange State, mas o setor praticamente colapsou nos anos 1990 devido ao rápido avanço do greening, doença que atinge as plantas inviabilizando a produção e da ocorrência de furações e incêndios na Califórnia, outra região produtora.. Os Estados Unidos, que produziam 240 milhões de caixas de laranja por ano, atualmente, produzem em torno de 70 milhões de caixas. Entre 2003 e 2023, de acordo com o USDA, a queda na produção foi de 92%.
A saída dos Estados Unidos para abastecer as refeições matinais dos seus cidadãos foi importar suco de laranja do Brasil. Em 2024, as importações americanas somaram cerca de US$ 1 bilhão, segundo dados do USDA. “O Brasil é o maior exportador de suco de laranja do mundo. Nós somos responsáveis por 34% da produção de fruta, 60% da produção de suco e 75% do comércio internacional”, diz Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR.
Apesar de ser o principal fornecedor para os americanos, o suco de laranja brasileiro já era taxado para ser exportado aos Estados Unidos - US$ 415 por tonelada, o que corresponde entre 15 a 20% do valor, antes do tarifaço anunciado no dia 9 de julho. Se a taxa de 50% não for negociada, o suco brasileiro pagará quase 70% de taxas para ser exportado, tornando o comércio inviável. "Vão ser tempos extremamente difíceis. Isso eu não tenho dúvida", afirmou Netto.
Ovos de ouro
O mais recente item da rotina alimentar do americano a ser afetado e ficar mais caro foram os ovos. Em janeiro deste ano, o produto teve uma alta de 15%, o maior reajuste nos preços verificados desde 2015. Isso aconteceu porque o país vem tentando conter um surto de gripe aviária desde 2022 e as autoridades sanitárias foram obrigadas a abater 130 milhões de galinhas entre o final de 2024 e o início de 2025, provocando uma queda na produção.
A solução? Importar ovos do Brasil. De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), no primeiro semestre deste ano, os Estados Unidos foram os principais compradores de ovos do Brasil. Os americanos importaram 15.202 toneladas, um aumento de 1247%, gerando receita de US$ 33,1 milhões (+1586,2%). Apesar disso, o setor não é o mais afetado, já que o setor da avicultura americano conseguiu driblar a crise e recompor os planteis. Diferentemente da pecuária - em que um animal leva em torno de 1 ano para ser gerado e em torno de 2 anos para chegar ao peso ideal de abate, o ovo leva em torno de 21 dias para ser chocado e um frango, 42 dias para atingir o peso ideal.