A China paralisou as compras de soja dos EUA, abrindo caminho para um deslocamento do fornecimento americano e a ocupação do espaço pelas exportações brasileiras. Essa é uma das principais conclusões de um levantamento publicado pela American Farm Bureau Federation, uma das principais entidades do agronegócio norte-americano, criada em 1919, e envolve hoje 6 milhões de agricultores.
Conforme o grupo, a China comprou 26,5 milhões de toneladas de soja americana em 2024. Isso representou metade de sua importação do produto. Neste ano, porém, o volume caiu para 5,8 milhões de toneladas.
Para a entidade, "os mercados de soja tornaram-se o sinal mais claro de estresse no comércio agrícola dos EUA". "Durante junho, julho e agosto, os EUA praticamente não enviaram soja para a China, e a China não comprou nenhuma soja da nova safra para o próximo ano comercial", constatou.
"Mesmo quando os agricultores americanos produzem safras com preços competitivos, a China tem reduzido gradualmente sua dependência dos Estados Unidos, voltando-se para o Brasil, a Argentina e outros fornecedores", afirmou o representante do American Farm Bureau Federation.
Neste período de 2025, o Brasil somou vendas de mais de 77 milhões de toneladas de soja para a China. Segundo os produtores americanos, esses números "ressaltam como a América do Sul interveio para dominar o mercado e deslocar os agricultores americanos".
A Argentina também buscou impulsionar as vendas removendo brevemente seu imposto de exportação de soja, apenas para restabelecê-lo dias depois, após as receitas de exportação atingirem o limite de US$ 7 bilhões.
Na semana passada, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, afirmou que o governo de Donald Trump prepara um "apoio substancial aos nossos agricultores, especialmente aos produtores de soja". Isso poderia ser anunciado nesta terça-feira.
Além disso, Trump tentou apaziguar os produtores de soja, cada vez mais irritados com a postura do presidente. "Os produtores de soja do nosso país estão sendo prejudicados porque a China, por razões de 'negociação' apenas, não está comprando", escreveu Trump em sua rede social, Truth Social, na quarta-feira. "Ganhamos tanto dinheiro com tarifas que vamos pegar uma pequena parte desse dinheiro e ajudar os nossos agricultores", garantiu.
Na primeira guerra comercial de Trump com a China, em 2019, ele concedeu aos agricultores americanos mais de US$ 22 bilhões em pagamentos de ajuda.
Mas o que os produtores alertam é que a presidência americana tem omitido uma transformação no comércio americano. Segundo a associação, as importações de soja da China não estão diminuindo; na verdade, atingiram níveis recordes. "Mas a maior parte dessa demanda agora está sendo atendida por concorrentes dos produtores americanos", disse.
Outro efeito tem sido sentido nos preços internacionais. "A ampla oferta global e a demanda de exportação mais fraca estão pesando fortemente sobre os preços do milho, da soja e do trigo dos EUA, reduzindo as receitas agrícolas, apesar das fortes colheitas", diz. "Isso é agravado pelos baixos níveis de água no Rio Mississippi, que estão aumentando os custos do transporte.
Milho e trigo seguem caminho da soja
Essa mudança não se limita à soja. A China não comprou milho, trigo ou sorgo dos EUA este ano, e as exportações de carne suína e algodão continuam apenas em níveis reduzidos. O USDA projeta que as exportações agrícolas para o país asiático totalizarão US$ 17 bilhões em 2025 — uma queda de 30% em relação a 2024 e mais de 50% em relação a 2022.
Em 2026, as exportações para a China devem cair para apenas US$ 9 bilhões, o menor nível desde 2018.
Na avaliação da American Farm Bureau Federation, a movimentação da China tem uma relação direta com a crise comercial entre os dois países, mas também precisa ser entendida em um processo mais amplo.
Em 2012, a China comprou mais de US$ 25 bilhões em produtos agrícolas dos EUA, quase 20% de todas as exportações agrícolas. Em 2018, as vendas caíram para cerca de US$ 9 bilhões, o menor nível em uma década.
Embora o comércio tenha se recuperado parcialmente em 2020 e 2021, a recuperação foi temporária. "Desde então, a China tem diversificado constantemente seus fornecedores, voltando-se mais para o Brasil e a Argentina em busca de soja, grãos e proteína", disse.
"As metas de política interna da China, incluindo segurança alimentar e gestão de preços, também incentivam a distribuição das compras entre vários países para evitar a dependência dos Estados Unidos", afirmou o American Farm Bureau Federation.
A entidade, portanto, alerta que a desaceleração das vendas em 2025 não é um evento isolado. "Ela faz parte de uma trajetória mais longa, na qual a China está se diversificando, afastando-se da agricultura americana", indicou. "Para os agricultores americanos, essa mudança significou menos vendas, um crescente déficit comercial agrícola e maior incerteza sobre o futuro papel da China como mercado para a agricultura americana", completou.