A mãe do menino de 12 anos que foi vítima de racismo na partida entre Manthiqueira e Corinthians, pelo Campeonato Paulista sub-12, no último domingo (19), divulgou uma carta nesta quarta-feira (22). “Jamais imaginei passar por isso, nunca vi meu filho tão transtornado".
O presidente da Fifa (Federação Internacional de Futebol), Gianni Infantino, também se pronunciou nesta quarta-feira (22) sobre o episódio. “Estou enojado por saber que um jogador de 12 anos sofreu ofensas racistas”.
O caso aconteceu no final do segundo tempo. O juiz da partida precisou ativar o protocolo antirracismo por conta que um jogador da equipe de Guaratinguetá foi alvo de ofensas racistas proferidas por torcedores corintianos que estavam nas arquibancadas do Estádio Dário Rodrigues Leite.
De acordo com a súmula da partida, o árbitro paralisou o jogo, ativou o protocolo antirracismo, e colheu o depoimento da vítima com as autoridades presentes. O jogo, que estava no final, foi reiniciado, mas o atleta não seguiu em campo devido ao seu estado emocional.
Na súmula, o árbitro também informou que durante a parada técnica do segundo tempo, atletas da equipe mandante relataram maus comportamentos da torcida visitante, e devido a isso, um funcionário do Corinthians se dirigiu até a torcida para instrui-la a um melhor comportamento.
Uma mulher de 41 anos foi presa em flagrante acusada de racismo contra a criança, porém a Justiça concedeu liberdade provisória à ela. Segundo o Tribunal de Justiça, ela passou por audiência de custódia e deverá cumprir medidas cautelares diversas da prisão.
Confira abaixo a carta escrita pela mãe:
Meu nome é Thais Matos, sou mãe de 3 meninos, cidadã brasileira e defensora de uma infância livre de preconceitos e racismos. Escrevo esta carta movida por uma indignação diante do episódio lamentável ocorrido com meu filho no dia 19/10, do corrente ano.
Jamais imaginei passar por isso, nunca vi meu filho tão transtornado, ele é uma criança de apenas 12 anos, e já vinha sendo alvo de alguns pais com ofensas e agressões verbais, durante as partidas de futebol, muitas das vezes, proferindo palavras de baixo calão, porém no último domingo dia 19/10, aconteceu novamente e dessa vez tiveram ofensas de cunho racista.
Como mãe fico com meu coração despedaçado, pois eu jamais teria coragem de xingar qualquer criança dentro ou fora de campo, nós pais estamos ali para torcer e apoiar nossos filhos, independente do placar final e não xingar uma criança.
Isso foi inaceitável, não se trata de uma simples ofensa, se trata de uma violência que fere a dignidade, destrói a inocência e deixam marcas que o tempo dificilmente apaga.
Importante frisar que, meu filho já havia relatado em casa as ofensas ouvidas no jogo anterior, mais orientamos ele a não se importar, mesmo sendo um ato cruel pois estamos falando de uma partida de futebol de crianças de 12 anos, onde nós pais temos que ser exemplo.
Quão doloroso é ver seu filho saindo de um estádio da forma que ele saiu, e alguns pais falando que era “frescura”, eu desejo do fundo do meu coração que não aconteça com os filhos de vocês.
As crianças em sua pureza, alegria e amor ao futebol não deveriam conhecer o peso da discriminação, e sim serem cercadas de cuidado, respeito e amor.
Ver adultos que deveriam ser exemplo, agirem de forma tão cruel e ainda ouvir de uma mãe: "pegamos ele para Cristo mesmo", infelizmente a luta contra o racismo ainda é urgente e necessária, não podemos banalizar este ato tão desumano.
No meu entendimento, nada justifica ofender uma criança, na minha opinião não foi uma brincadeira, não foi um mal entendido, mas sim um ato desumano e cruel, precisamos olhar para este episódio, não apenas como um caso isolado, mas como um alerta. Cada palavra, cada atitude preconceituosa, reforça uma estrutura de exclusão que limita oportunidades, destrói sonhos e fere a dignidade do ser humano, principalmente em se tratando de crianças.
Vale ressaltar, que meu filho foi corajoso em falar, e as crianças que por medo ou receio de terem seus sonhos interrompidos, guardam para si?
Muitas crianças desistem da carreira, muitas vezes entram em depressão e acabam tirando a própria vida, tudo isso por ouvirem palavras de pessoas vazias, sem amor, empatia, sororidade e resiliência.
Será que em algum momento esses pais pararam pra pensar como poderia ser se fosse com os filhos deles? Não podemos nos calar e muito menos banalizar algo tão grave como o crime de injúria racial que está previsto no Código Penal, isso abala a autoestima, gera traumas, uma palavra ofensiva dita na infância pode ecoar por toda vida, influenciando na confiança e desempenho do atleta, dentro e fora de campo.
No entanto, ao contrário do que foi dito lá para o meu filho, palavras como: "sem família", não se enquadra com a realidade dos fatos, pois ele tem família e estamos aqui para juntos não deixar isso abalar ou interromper seus sonhos e projetos. O silêncio diante de tudo isso para mim é cumplicidade, que essa carta sirva como um apelo de uma mãe para que nenhuma criança em lugar algum seja novamente ferida pelo preconceito, racismo ou pela sua opinião em relação a criança.
Por fim, fica a reflexão, que a humanidade pense antes de falar, aja com consciência, pois a responsabilidade de uma sociedade justa e humana é nossa. NÃO PRECISAMOS SER NEGROS PARA LUTAR CONTRA O RACISMO, PRECISAMOS SER HUMANOS!!!
Confira o posicionamento do presidente da Fifa:
Estou enojado por saber que um jogador de 12 anos da Academia Desportiva Manthiqueira sofreu ofensas racistas de uma torcedora durante uma partida do Campeonato Paulista Sub-12 contra o SC Corinthians Paulista em São Paulo, Brasil.
O árbitro implementou o gesto da campanha "No Racism" para interromper a partida e ações foram tomadas contra a autora do crime. Eu elogio o árbitro por sua ação rápida e decisiva - nós temos uma responsabilidade, especialmente e urgentemente para com as futuras gerações, de erradicar o racismo e a discriminação no nosso jogo.
Eu continuarei sendo muito direto a esse respeito: o racismo e a discriminação não são apenas erros - são crimes. Todos os incidentes de racismo, seja nos estádios ou online, devem ser devidamente punidos tanto pelo futebol quanto por toda a sociedade. A FIFA, incluindo o seu Players' Voice Panel (Painel A Voz dos Jogadores), continuará a trabalhar incansavelmente no Posicionamento Global Contra o Racismo para assegurar um impacto duradouro e responsável tanto dentro quanto fora de campo.
Confira o posicionamento do clube e da FPF:
Em nota publicada nas redes sociais, o clube da região também se manifestou: "No jogo houve um vencedor pelo placar, mas todos nós perdemos! Racismo é crime no futebol e na vida!”
“Ontem foi um dia que apesar de querermos esquecer, precisará ficar na memória de todos. Racismo não se tolera e só pra lembrar… são crianças de 12 anos! Isso ocorreu com nosso atleta da base do sub12. Toda nossa solidariedade e justiça à ele!” - diz trecho da nota publicada nas redes sociais.
Em nota, a Federação Paulista de Futebol (FPF), manifestou “profunda indignação e revolta” com mais um ato de racismo.
“A FPF reforça seu repúdio a todo e qualquer ato racista e reafirma que o Futebol Paulista não tolera a participação de racistas em suas competições. Choca ainda mais o fato de, neste caso, ser um ato contra uma criança que apenas está jogando futebol. A FPF seguirá vigilante e atuante para que nenhuma pessoa, muito menos crianças, sejam alvos de crimes como este.” - diz trecho final da nota.